A oração sempre comporta uma terceira personagem. Além da pessoa orante e de Deus, entra em jogo uma outra realidade: determinada situação em que a vida está ameaçada, grupo social pobre e excluído ou alguém que grita por socorro. Oração pessoal, comunitária ou litúrgica, lá está ela, a terceira personagem, interpelando os que buscam a Deus de coração sincero. Se o ato de rezar implica colocar-se desnudo diante de Deus, Ele introduz em cena um terceiro rosto ou uma terceira voz. Isto porque, para usar uma pertinente observação do Cardeal Carlo Maria Martini, a intercessão constitui uma dimensão fundamental de toda oração (Qualcosa di cosi personale, meditazioni sulla preghiera). Seguem três exemplos.
1. Moisés encontra-se pressionado entre o clamor do seu povo escravo no Egito, de um lado e, de outro, o medo da perseguição e da morte por parte das forças do Império. Após uma ação impulsiva e impensada, foge para o deserto, retira-se à vida privada. Mas o coração lhe está angustiado, irrequieto. Os hebreus clamam aos céus, sob o peso do trabalho forçado; os soldados do Faraó o procuram pelo assassinato intempestivo do egípcio. O que fazer?
Momento de subir à montanha, de encontrar-se com Deus, simbolizado na “sarça ardente” (Ex 3, 1-13). Momento de oração. Moisés aproxima-se, pisa solo sagrado, tira as sandálias... E põe-se a conversar com Deus, a rezar com o rosto por terra. Anseia pela paz do coração, busca uma resposta que possa aliviar-lhe a consciência. Mas a resposta de Javé é taxativa: “tira o meu povo do Egito”. Sua oração não se restringe ao intercâmbio eu-tu da contemplação, por mais que este, enquanto ponto de partida, seja imprescindível. Deus introduz o povo oprimido como terceira personagem: “eu vi a aflição, eu ouvi o clamor, eu conheço o sofrimento, por isso desci para libertar o meu povo”. Quatro verbos, na primeira pessoa do singular, colocados na boca de Javé, que revelam profunda sensibilidade sócio-pastoral. A verdadeira oração devolve Moisés ao seu compromisso no Egito.
2. Jonas, chamado a profetizar na grande cidade de Nínive, empreende um longo processo de fuga: foge do rosto de Deus; foge da missão que lhe foi confiada; foge do confronto com os companheiros de viagem, ao assumir toda a culpa pela tormenta em alto mar; por fim, foge de si mesmo, regressando ao ventre do peixe, o que equivale a refugiar-se no ventre materno, à tentativa de uma auto-anulação. “Maldito o dia em que nasci”, dirá mais explicitamente ainda o profeta Jeremias. O mar e o barco simbolizam essa preferência pelo desconhecido, ao invés do compromisso e da abertura com o povo estrangeiro da cidade pagã.
No fundo do poço, quando não há mais para onde fugir, Jonas defronta-se com o rosto invisível de Deus. Entra em atitude de profunda oração. Oração de um náufrago em desespero, “lançado nas profundezas, no seio dos mares, submerso pelas ondas e pelas vagas”, mas também oração de súplica e de apelo à misericórdia divina (Jn 2, 1-11). Ironia da história, o peixe o irá vomitar nas margens da grande cidade, justamente de onde havia escapado. Também aqui, a oração sincera devolve Jonas à missão nas ruas de Nínive.
3. O doutor da lei procura Jesus no Templo. Apesar de mestre, parece perdido e ansioso. Busca um caminho de salvação, algo ou alguém que o faça “alcançar a vida eterna”. O diálogo entre ambos não deixa de ser uma oração. Trata-se de um coração pobre e sedento, tateando às escuras para encontrar o caminho da fonte inesgotável. No decorrer da conversa/oração, Jesus desloca claramente o eixo do tema: do templo para a estrada, da especulação teológica para a prática pastoral, do âmbito religioso para o terreno social (Lc 10, 29-37).
Desta vez a terceira personagem é o homem surpreendido pelos ladrões, assaltado, ferido e caído à beira da estrada. Impossibilitado de reerguer-se, pede socorro. A solidariedade lhe é negada pelo sacerdote e o escriba, que passam adiante. E lhe é oferecida pelo samaritano, um estrangeiro de passagem. Uma vez mais, a oração que se dirige a Deus e busca a vida eterna, devolve o doutor da lei ao caminho, a olhar as vítimas deixadas à margem da vida e da história.
Numa palavra, a oração, se e quando verdadeira, desdobra-se em prática pastoral ou sócio-política. Contemplação na ação! O encontro com Deus complementa-se no encontro com o outro, o estranho, o diferente. No amor a Deus e ao próximo se resume todo o Evangelho!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
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