Nas cidades de Pernambuco e Alagoas devastadas pelas chuvas da última semana, que mataram pelo menos 41 pessoas nos dois estados, o cenário ontem era semelhante ao de um terremoto. Em Palmares, a 125 quilômetros de Recife, o que se via eram pontes caídas, praças transformadas em crateras, casas sem telhados e paredes, postes derrubados, fiação elétrica pelo chão, carros amontoados, carretas viradas.
E muitos saques. A tensão era tal que, segundo moradores, o boato de que uma barragem se rompera fez com que quatro pessoas morressem de problemas cardíacos.
A maioria da população está sem comida, água, luz e telefone.
Centenas de moradores vagavam pela linha férreas, desorientados e com os últimos pertences. Palmares foi um dos 49 municípios pernambucos atingidos pela tragédia. Muitas circulavam com máscaras para suportar o mau cheiro deixado pela água, que chegou a atingir cinco metros nos locais mais baixos da cidade.
Na praça Cocão do Padre, homens e mulheres disputavam a única torneira para pegar água ou lavar roupas:
— Perdi tudo. Eu e meus quatro filhos não temos mais casa. O pequeno, de 4 anos, quebrou o braço na correnteza, ao bater numa parede. Não tenho onde ficar. Estou em uma loja com mais cinco famílias. O dono cedeu o espaço para a gente morar por enquanto. Saí de casa com água no pescoço, arrastando os três meninos. Tudo o que tenho hoje é esse guarda-chuva, essa bacia, roupas sujas — contou Ana Cláudia da Silva, de 32 anos, enquanto tirava a lama das roupas na praça
As duas pontes que passam sobre o Rio Uma, e que ligam a cidade a Alagoas, caíram. Uma terceira, que une a cidade à BR 101, também ruiu. Apesar do esforço do governo estadual para ajudar os flagelados, o socorro ainda não havia chegado ontem a Palmares.
— Na nossa rua só passaram dois caminhões-pipa com água, mas nem pararam. A gente não tem o que comer, o que beber, nem dinheiro. E, se tivesse, não haveria o que comprar — disse o torneiro mecânico Ronaldo Claudino, que abrigou seis famílias em sua casa, numa parte alta do bairro de Santo Onofre.
Experiência dramática viveu o empresário César Romero Nascimento Lira, de 39 anos, dono da Rádio Novo Quilombo, sintonizada em 40 municípios pernambucanos e que orientava a população a deixar suas casas, na última quinta-feira. Como a emissora nunca tinha sido atingida por enchentes, ele e quatro locutores permaneceram no ar.
Quando foram sair da rádio, a água já tomava o prédio.
— Nós nos refugiamos em um morro vizinho, mas ficamos ilhados. Quebramos coco com a mão para matar a sede, e sobrevivemos de goiabas verdes. Fizemos fogueira para não morrermos de frio. Mas o desespero era grande, porque, enquanto o celular dava sinal, minha mulher me telefonava o tempo todo, pedindo socorro para que fosse resgatá-la do telhado de minha casa.
Em Palmares, a praça principal virou uma cratera, tomada pela água: população também sofre com saques casa. Saí daqui três dias depois com lama na cintura, sem saber como estava minha família.
Em União dos Palmares, no interior alagoano, as vítimas da chuva vivem dramas semelhantes: o Rio Mundaú transbordou e destruiu casas, pontes, uma escola estadual, além de levar seis tonéis de armazenagem de álcool de uma usina de moagem de cana de açúcar. Cerca de 300 pessoas, parte das centenas de desabrigados, foi para um ginásio estadual, um dos poucos locais com luz no município — Moro aqui desde pequena.
Nunca vi tanta miséria junta, tanta desgraça. Só me sobrou a vida e a família, graças a Deus. Mas, não sei o que fazer — disse Maria Pereira, uma das 26.541 desabrigadas nas 15 cidades alagoanas banhadas pelos rios Mundaú e Paraíba que estão em estado de calamidade no estado.
Até ontem (22), eram registrados 29 mortos em Alagoas e 600 desaparecidos. Numa das cidades atingidas, Murici, o prefeito Remi Calheiros (PMDB) é o mais ilustre sem teto. A casa do prefeito, onde se hospedava seu pai, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, foi arrastada pelas águas. O prefeito de Santana do Mundaú, Elói Silva (PTB), também perdeu sua casa.
(A reportagem é de Letícia Lins e Odilon Rios e publicada pelo jornal O Globo, 23-06-2010).
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