Neste artigo do Pe. Alfredo, uma homenagem a todas as mulheres, no Dia Internacional da Mulher,
8 de março
Pe. Alfredo Gonçalves, cs
De retorno a São Paulo, ao meu lado no ônibus viajava uma senhora ainda jovem com duas crianças: uma filhinha de alguns anos e um bebê de alguns meses. Logo surgiu um pequeno impasse. Dois ou três passageiros resmungaram sobre a luz acesa nas poltronas ocupadas pela mãe e filhos. Era evidente, porém, que ela não apagava a lâmpada individual para evitar o choro da criança de colo. Tinha perfeita consciência que seu bebê temia o escuro e devia esperar que ele dormisse.
Enquanto isso, a jovem mãe oferecia o peito e “falava” com o bebê. Falava entre aspas, porque se tratava de um monólogo de palavras e frases entrecortadas, um murmúrio de sons e afagos, incompreensível e ao mesmo tempo cheio de significado; um sussurro inarticulado de mimimi-mumumu, como diria um comentarista esportivo; a magia da água que, mansa e borbulhante, brota da fonte. Fonte cristalina e transparente, onde tudo é límpido e refrescante.
Num relance, pude observar os dois rostos praticamente colados um ao outro. O nariz da mãe entrecruzava-se com o do filho, num jogo de comunicação bem conhecido de quem costuma lidar com a infância. Mais expressivo ainda era o olhar dela fascinado pelos olhinhos da criança, abertos e fixos naquele rosto familiar e amado. Podia-se adivinhar o esboço de um sorriso divino de ambos os lados, num enternecimento inexprimível. A imagem transbordava de ternura e afeto.
Neste caso, pouco ou nada importavam a lógica e o sentido das palavras. O amor, a dedicação e o carinho expressavam-se, antes, pela entonação da voz, pelo calor do corpo, pelos braços acolhedores, pelo balanço ritmado dos embalos, pela profusão de carícias e beijos. A linguagem do amor, na expressão animal e humana, não é construída com um edifício de palavras, frases, discursos, e sim com balbucios, gestos, olhares, sorrisos, toques, canções, presença... É a arte daquela que, além de carregar a sua “cria” por nove meses no aconchego de seu ventre e amamentá-la depois de nascida, ensina-lhe em seguida as primeiras palavras, as primeiras preces e os primeiros passos. Aquela que, no berço e na casa, vela pela vida que cresce e amadurece: primeira a levantar-se, última a deitar-se.
Semelhante cena, tão simples e singela, levou-me às palavras do salmo: “eu fiz calar e repousar a minha alma, como uma criança recém-amamentada no colo da mãe” (Sl 131,2). Tanto a linguagem do amor quanto a linguagem da oração não são feitas como narrativas articuladas, gramaticamente corretas em seus conceitos e argumentações. Ao contrário, ela constitui uma mistura de sons e silêncios, comunicação de fala e escuta, onde prevalece uma tonalidade de voz que é única e irrepetível em cada pessoa e em cada relação.
A razão, com sua lucidez fria e cortante, apaga muitas vezes o encanto de uma relação amorosa, quer em termos espirituais quer em termos afetivos. Aqui a alma, o coração e o corpo falam mais alto, mesmo sem nada dizer de inteligível ou traduzível. Isso explica o encantamento da música, do afago amoroso, do olhar banhado de luz, da expressão facial que se abre em flor. Aliás , explica também a gratuidade da própria flor que se oferece inteira e bela, para logo murchar e morrer.
Amor e oração, meditação e contemplação nascem e crescem num terreno distinto da racionalidade. Podem e devem contar com ela, evidentemente, mas se guiam por outra bússola e rumam em direção a outro porto. Tampouco seguem a lógica estreita e taxativa da matemática, embora sem esquecê-la. Oblação e gratuidade jamais se esgotam nos números e nos conceitos. Seu mistério secreto, sem deixar de ser humano, encontra-se muito além (ou acima) da compreensão humana. Finitude e infinitude se entrelaçam: numa trajetória de vida finita habita um espírito infinito, inquieto e irrequieto, que sempre busca superar-se a si mesmo, somente repousando na Casa de Deus, como lembra Santo Agostinho.
O amor da mulher/mãe/trabalhadora, na vida de cada um de nós, é ao mesmo tempo um lugar de chegada e de partida, que nos acompanha em toda a trajetória, desde o berço ao túmulo, do nascimento à morte. Ponto de referência onde o humano e o divino se cruzam, deixando marcas indeléveis gravadas na pedra viva da história. A mulher em sua entrega materna e em sua contribuição na sociedade, a exemplo do poeta e do artista, carrega em si algo de profundamente humano-divino, revelando na face da terra um pouco do oxigênio que se respira nos céus! Em cada mulher esconde-se uma oração, às vezes não recitada, mas potencialmente presente.
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