Sal da Terra e Luz do Mundo (Mateus 5,13-14)
O Documento 105, da CNBB, está dividido em três capítulos além de uma Introdução e conclusão.
O primeiro capítulo é titulado “O Cristão Leigo, Sujeito na Igreja e no Mundo: esperanças e angústias” e trata da descoberta da vocação e missão do cristão leigo e leiga na Igreja e na Sociedade.
O segundo capítulo é titulado: “Sujeito Eclesial: Discípulos Missionários e Cidadãos do Mundo” e trata da compreensão da identidade e da dignidade laical como sujeito eclesial e identifica a atuação dos leigos, considerando a diversidade de carismas, serviços e ministérios na Igreja.
O terceiro capítulo, o mais longo, é titulado “A Ação Transformadora na Igreja e no Mundo” e aborda a dimensão missionária da Igreja e indica aspectos, princípios e critérios de formação do laicato, e aponta ainda lugares específicos da ação dos leigos. A Conclusão apresenta nove aspectos de itens importantes encontrados no Documento da CNBB 105.
INTRODUÇÃO
3- A realidade eclesial, pastoral e social dos tempos atuais torna-se um forte apelo a uma avaliação, aprofundamento e abertura do laicato.
5-O Concílio Vaticano II propõe: “O Caráter secular caracteriza os leigos. A vocação própria dos leigos é administrar e ordenar as coisas temporais, em busca do Reino de Deus”.
6-O Beato Paulo VI lembra: Dos leigos, “a sua primeira e imediata tarefa não é a instituição e desenvolvimento da comunidade eclesial – esse é o papel específico dos pastores. A primeira e imediata tarefa dos leigos é o vasto e complicado mundo da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes..
7-Contudo, apesar do desenvolvimento da comunidade não ser a sua tarefa primeira, os leigos são chamados a participar da ação pastoral da Igreja (Documento de Aparecida n.211).
8-Portanto, o leigo não pode substituir o pastor naquilo que lhe compete por vocação, o pastor não pode igualmente substituir o leigo naquilo que lhe é próprio vocacionalmente.
11-A partir da sua vocação específica, cristãos leigos vivem o seguimento de Jesus na família, na comunidade igreja, no trabalho profissional, nas diversas participações na sociedade civil, colaborando assim na construção de uma sociedade justa e solidária.
Capítulo 1 – O CRISTÃO LEIGO, SUJEITO NA IGREJA E NO MUNDO: ESPERANÇAS E ANGÚSTIAS
Sal da Terra e luz do mundo (Mateus 5,13-14), assim Jesus definiu a missão que aos seus discípulos missionários confiou. As imagens do sal e da luz são particularmente significativas se aplicadas aos cristãos leigos . Nem o sal, nem a luz, nem a Igreja e nenhum cristão vivem para si mesmos. No caso dos cristãos, somente surtirão o efeito da Boa Nova, se estiverem ligados a Jesus Cristo (João 15,18).
O grande campo de ação dos cristãos é o mundo. Por isso o Concílio Vaticano II afirma que a Igreja está dentro do mundo, não fora. Na relação com o mundo a Igreja se vê pequena: pequeno rebanho, sal na comida, fermento na massa, semente lançada na terra.
CRISTÃOS LEIGOS NOS DOCUMENTOS DA IGREJA
Já em 1968 o documento de Medellin (n.10.2.6) destacava a importância da ação dos leigos cristãos na Igreja e na sociedade. Tal tema se repetiu no Documento de Puebla (1979- n.786) que identifica os leigos como homens e mulheres da Igreja no coração do mundo e homens e mulheres do mundo no coração da Igreja. O Documento de Santo Domingo (1992- n.98) os chamava de protagonistas da transformação da sociedade. Já o Documento de Aparecida (2007-n.213) pediu maior abertura de mentalidade para que entendam e acolham o ser e o fazer do leigo na Igreja, que por seu Batismo e Confirmação é discípulo e missionário de Jesus Cristo.
Em 1.999 o episcopado brasileiro lançou o documento 62 ”MISSÃO E MINISTÉRIOS DOS CRISTÃOS LEIGOS ” que oferece à Igreja orientação para o discernimento sobre o laicato e sua atuação na organização dos ministérios na comunidade.
Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (n.20.24) o Papa Francisco lança um vigoroso chamado para que todo o povo de Deus saia para evangelizar. Por último, o Ano da misericórdia (08/12/2015 a 20/11/2016) convida a abrir as portas do coração à prática das obras da misericórdia e ir ao encontro dos excluídos ou discriminados.
2- AVANÇOS E RECUOS
Em todo este período de destaque da vocação dos cristãos leigos , a partir do Concílio Vaticano II, houve avanços e recuos.
2.1- Avanços
1- A criação do Conselho Nacional do Laicato do Brasil.
2- Aumento do número de cristãos leigos que exercem o ministério de teólogos e pregadores da Palavra.
3- As pequenas comunidades onde acontecem a reflexão bíblica, celebrações da Palavra e escolas de teologia têm oportunizado espaços de participação e diversificação dos ministérios leigos.
4- Crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos missionários estão surgindo em muitos lugares.
Com alegria e perseverança cristãos, leigos , visitam casas, hospitais, presídios e atuam em movimentos da Igreja e também sociais e políticos, colaborando na santificação das estruturas e realidade do mundo. Também dão atenção e cuidado aos migrantes, bem como a oferta de comunidades terapêuticas em atenção aos portadores de hanseníase e do vírus HIV, como também na pastoral do acolhimento e atendimento às pessoas necessitadas.
Leigos dinamizam a Pastoral do Dízimo e colaboram na transparente contabilidade das paróquias. Também mantém comunhão com seus pastores, seguindo os planos de pastoral da diocese e das paróquias que abraçam.
Há os cristãos, leigos e leigos, comprometidos com os movimentos sociais que buscam a dignidade da vida para todo e também aqueles que atuam voluntariamente no trabalho de cada dia, inclusive nas tarefas mais humildes. São eles o perfume de Cristo, a luz da Boa Nova, o fermento do Reino.
O Papa Francisco destaca que a atuação voluntária dos leigos na obra evangelizadora revela a revolução da ternura; o prazer de ser povo e a nova consciência de que a vida de cada pessoa é uma missão. Podemos afirmar, com alegria e renovada esperança, que os cristãos leigos são os grandes protagonistas desses avanços em unidade com seus pastores.
2.2- RECUOS
Lembrando que o mundo é o primeiro lugar da presença, atuação e missão dos cristãos leigos , vê-se que ainda é insuficiente e até omissa a sua ação nas estruturas e realidades do mundo, como nas universidades, nos ambientes do trabalho, da política, cultura, medicina, judiciário e outros. Isso acontece porque, apesar da insistência dos documentos da Igreja em apontar o mundo como primeiro âmbito da atuação dos leigos , há ainda uma grande parcela que tende a valorizar quase ou exclusivamente o serviço no interior da Igreja.
Outro problema que inibe o avanço da ação laical é a não participação dos leigos nos Conselhos Pastorais das Paróquias ou a proliferação de uns poucos cristãos “iluminados” que dominam o processo pastoral, excluindo uma grande maioria. Tudo isso colabora para a inibição da participação na dimensão social da fé. Então, a ação evangelizadora fica restrita à administração dos sacramentos somente às pessoas que procuram o batismo, o catecismo para a primeira Eucaristia, Crisma, Matrimônio. Ou atendendo às práticas devocionais e aos que participam das missas dos fiéis defuntos. Todas estas práticas retiram o protagonismo laical e centra a ação no sacerdote. Este tipo de prática pastoral revela a resistência quanto à opção pelos pobres, que são excluídos do processo único da sacramentalização e devocional.
Temos que considerar que tal realidade também é consequência da falta de uma séria formação de lideranças laicais. A formação que existe se dá, na maioria das vezes, de forma amadorística, gerando conflitos e submissão dos leigos ao clero ou a alguns leigos “iluminados”.
3- ROSTOS DO LAICATO
Os leigos que atuam nas nossas comunidades são casais cristãos que crescem na santidade familiar. Todas as crianças, frutos destes casais, que, participando ou não da catequese, também atuam na Infância Missionária e do serviço dos Coroinhas. Elas são germe de um laicato maduro.
As mulheres contribuem de forma indipensável na sociedade e nas responsabilidades pastorais. Todavia, a Igreja reconhece que ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Mais uma vez reafirmamos a opção preferencial pelos jovens e os idosos que têm merecido atenção do Papa Francisco e dos recentes Sínodos da Família.
Um número significativo de cristãos leigos vive como solteiros. Ser solteiro pode ser também uma opção de vida e um sinal de que a felicidade não está só no casamento ou vocação religiosa e sacerdotal. Aos viúvos e viúvas recordamos que desde o Antigo Testamento Deus se colocou ao seu lado (1Tm 5,16).
Lembramos com alegria dos cristãos leigos que são ministros da coordenação ou articulação paroquial e líderes nas dioceses e movimentos. Liderar é um ato de amor à Igreja. Enfim, entre tantos outros, há os que atuam nas pastorais e movimentos sociais, ONGs, partidos políticos, sindicatos, Conselhos de Políticas Públicas, como homens e mulheres da Igreja no coração do mundo.
CAMPO ESPECÍFICO DE AÇÃO: O MUNDO
Queremos recordar e insistir que o primeiro campo e âmbito da missão do cristão é o mundo. A vocação específica dos leigos é estar no meio do mundo, à frente de tarefas variadas da ordem temporal. Os cristãos leigos levam o Evangelho para dentro das estruturas do mundo, onde homens e mulheres vivem, agindo em toda parte santamente e consagram a Deus o próprio mundo.
O MUNDO GLOBALIZADO
Apesar de tantos avanços da atual sociedade globalizada (tecnologias, sistema jurídico e financeiro, sistema de controle social, e outros) há deficiências gritantes em relação ao direito comum das pessoas e dos povos, bem como em relação ao que permite a cada um viver a verdadeira felicidade. Por isso é chamada de “globalização da indiferença”.
Vivendo neste mundo, o cristão que não tem consciência de ser sujeito corre o risco da alienação, da acomodação e da indiferença. Precisamos vencer a indiferença com as obras de misericórdia para conquistar a paz. Caim se mostrou indiferente ao irmão. O bom samaritano, pelo contrário, deixou-se comover, aproximou-se e cuidou do próximo. Venceu a indiferença pela misericórdia. A globalização da indiferença, infelizmente, nos tornou insensíveis.
Neste mundo globalizado a alma do mercado entra na alma humana criando um círculo vicioso que incluiu de maneira perversa as mais diferentes condições de vida coletiva e individual. Esse é o ápice do processo da globalização econômica: o consumo se torna o modo de vida comum cada vez mais universalizado.
Essa lógica individualista se caracteriza por: 1-satisfação pessoal e indiferença pelo outro; 2- supremacia do desejo em relação às necessidades; 3- predomínio da aparência em relação à realidade; 4- inclusão perversa: são incluídos somente as pessoas que podem consumir; 5- falsa satisfação promovida pelo mercado de consumo que propõe felicidade efêmera através de produtos que meses ou dias após a aquisição se tornam obsoletos.
CONTRADIÇÕES DO MUNDO GLOBALIZADO
Os grandes problemas humanos estão presentes, em nível mundial e local, e expõem por si mesmos as contradições do sistema globalizado:
1-desenvolvimento da pobreza (o desemprego, a falta de moradia, a fome e a violência são hoje fatos mundiais);
2-confiança no mercado e crises constante (O Estado defende os mercados financeiro e produtivo investindo bilhões nestes ambientes, em detrimento das múltiplas formas de exclusão que persistem, como falta de moradia, escolas e outros itens básicos para uma vida digna);
3- enriquecimento de uns e a degradação ambiental;
4- bem estar de uns e exclusão da maioria: a humanidade permanece dividida entre alguns que têm muito e muitíssimos que não tem o mínimo para subsistir;
5- busca de riqueza e tráfico: tanto o tráfico de drogas como o de pessoas, o ser humano não passa de mercadoria que esvazia a sua dignidade; 6- segregação de grupos sociais privilegiados e segregação em bolsões de pobreza e miséria: a violência é o grande flagelo que também decorre dessa segregação e atinge todos os cidadãos; 7- redes sociais virtuais e indiferença real
É preciso dizer não a tudo isso
DISCERNIMENTOS NECESSÁRIOS
A Igreja vive dentro deste mundo globalizado, interpelada a um permanente discernimento. O desafio do cristão será sempre viver no mundo sem ser do mundo (Jo 17,15-16). Discernir significa aprender a separar as coisas positivas das negativas que fazem parte do mesmo modo da vida atual.
Viver na Igreja significa aprender permanentemente, a seguir o caminho e a verdade do Evangelho dentro das condições concretas do mundo. Para viver a sua missão no mundo de hoje, a Igreja como um todo e os cristãos leigos são desafiados à aprendizagem permanente de distinguir:
1-a pluralidade que respeita as diferenças, diferente do relativismo que se pauta na indiferença aos valores e aos outros.
2-a secularidade que valoriza as conquistas humanas e a liberdade religiosa, diferente do secularismo que considera Deus como intruso ou desnecessário.
3-os benefícios da tecnologia presente nas diversas dimensões da vida, diferente da dependência de aparelhos eletrônicos.
4-o uso das redes sociais como expressão de relações humanas, diferente da comunicação virtual que dispensa a relação pessoal.
5-o consumo de bens necessários à subsistência, diferente da busca desordenada da satisfação.
6-o uso do dinheiro para justa aquisição de bens, diferente da idolatria do dinheiro como valor absoluto que tudo direciona.
7-a autonomia, a liberdade e a responsabilidade pessoal, diferente do individualismo que nega o dever para com a vida comum.
8-os valores e as instituições tradicionais, diferente do tradicionalismo que se nega a dialogar com o mundo.
9-a vivência comunitária, que possibilita a justa relação do “eu” com o outro, diferente do comunitarismo sectário que isola o grupo do mundo.
TENTAÇÕES DA MISSÃO
O mundo influencia a Igreja, oferece-lhe tentações, inspira desvios, impõe modelos de vida, a ponto de mundanizá-la. Daí a necessidade contínua de renovação e conversão. Eis algumas tentações da Igreja:
1- ideologização da mensagem evangélica. Significa interpretar o Evangelho fora da Bíblia e da Igreja para defender interesses pessoais.
2- reducionismo socializante. Consiste em reduzir a Palavra de Deus a partir da ótica puramente social.
3- ideologização psicológica. Entende o encontro com Jesus Cristo como uma dinâmica psicológica do autoconhecimento.
4- proposta gnóstica. Costuma ocorrer quando grupos de “católicos iluminados” julgam ter uma espiritualidade superior à dos outros.
5- proposta pelagiana. Busca a solução dos problemas sem contar nem recorrer à graça de Deus.
6- funcionalismo. Consiste em apostar na função e na prosperidade do plano pastoral. Os sacramentos e a evangelização se transformam em função burocrática, sem conversão. A Igreja é assim transformada numa ONG.
7- clericalismo. O padre centraliza tudo em sua pessoa e poder pessoal e clericaliza os leigos “iluminados” que dominam os outros.
8- individualismo. Os individualismos religiosos isolam pessoas e comunidades, e não buscam a inclusão ou a comunhão.
9- comunitarismo sectário. É a atitude de quem vê sua fé verdadeira perante outras falsas. Os membros do comunitarismo sectário veem-se como salvos perante os outros, que não fazem parte do grupo, condenados.
10- secularismo. É a negação da religiosidade como dimensão do ser humano
O Papa Francisco ainda aponta outras tentações que podem incidir sobre os agentes de pastorais: 1- pessimismo estéril; 2- acomodação; 3- isolamento; 4- falta de valorização dos leigos; 5- falta de valorização da mulher; 6- falta de valorização dos jovens e idosos.
A NECESSÁRIA MUDANÇA DE MENTALIDADE E DE ESTRUTURA
A Igreja não é uma ilha de perfeitos, mas uma comunidade missionária e de aprendizagem em seu modo de ser, organizar e agir como seguidora de Jesus Cristo. Viver e atuar neste mundo globalizado implica mudança de mentalidade e de estruturas.
A inserção na realidade do mundo exige da Igreja como um todo ser:
1- Comunidade de discípulos de Jesus Cristo; 2- Escola de vivência cristã; 3- Organização comunitária feita de diversidade de sujeitos investidos de dons e funções distintos; 4- Comunidade inserida no mundo como testemunha e servidora do Reino de Deus que busca inserir a Boa Nova em todos os ambientes sociais; 5- Povo de Deus que busca também os sinais do Reino no mundo; 6- Comunidade que se abre permanentemente para as urgências do mundo; 7- Comunidade que mostra a fraternidade de ajuda e serviço mútuo, com especial atenção às pessoas mais frágeis e necessitadas; 8- Igreja em saída, de portas abertas, que vai em direção aos outros para chegar às periferias humanas e acompanhar os que ficaram caídos à beira do caminho.
A Igreja direcionada e pautada pelo Reino de Deus caminha para frente, dentro da história, com lucidez e esperança, com paciência e misericórdia, com coragem e humildade. A Igreja, com estas características, incluindo dentre elas as atitudes de escuta e diálogo, se insere no mundo como quem aprende e ensina, sabe dizer sim ao que é positivo e não ao que prejudica a dignidade humana. Assim a Igreja se insere no mundo com a atitude do serviço iluminado pela postura amorosa e serviçal presente na Santa Ceia.
CAPÍTULO 2
SUJEITO ECLESIAL: discípulos missionários e cidadãos do mundo
Jesus nos ensina a sermos sujeitos de nossa vida. Além de mestre, Jesus é o modelo para todo cristão que é chamado a ser sujeito livre e responsável, capaz de opções, de decisões e de um amor condicional. No seguimento de Jesus, como seus discípulos, todos somos sujeitos de nossa vida e de nossa missão, conscientes de nossa dignidade.
Neste capítulo retomamos a teologia à luz da eclesiologia do Vaticano II da Igreja como comunhão da diversidade. Pelos sacramentos da iniciação cristã, sobretudo pelo Batismo, todos nos tornamos membros vivos do povo de Deus.
IGREJA, COMUNHÃO NA DIVERSIDADE
O povo de Deus, a Igreja, e sua unidade se realiza na diversidade de rostos, carismas, funções e ministérios. Em função do bem comum, a comunidade organiza-se no compromisso de cada membro e busca os meios de tornar mais operantes os diversos dons recebidos do Espírito.
Os modelos de organização eclesial podem mudar ao longo da história; permanece, no entanto, a regra mais fundamental: a primazia do amor (1 Cor 13), da qual advém a possibilidade de integrar organicamente a diversidade e o serviço de todos os que exercem alguma função dentro da comunidade.
IGREJA, POVO DE DEUS PEREGRINO E EVANGELIZADOR
O povo de Deus, convocado por Cristo, que institui uma nova aliança, provém dentre judeus e gentios e cresce na unidade do Espírito (1 Pedro 2,10). Este povo tem a Cristo por cabeça. Sua condição é a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus. Sua Lei é o mandamento novo de amar como Cristo amou (João 13,34).
A noção da Igreja como povo de Deus lembra que a salvação, embora pessoal, não considera as pessoas de maneira individualista, mas como inter-relacionadas e interdependentes. A inter-relação e a interdependência levam a valorizar a diversidade de rostos, de grupos, de membros, de carismas e funções deste povo.
O sujeito da evangelização é todo o povo de Deus, a Igreja. Ela não pode perder de vista o serviço à vida e à esperança, através de uma obra evangelizadora audaz e missionária.
A IGREJA, CORPO DE CRISTO NA HISTÓRIA
Os cristãos são chamados a serem os olhos, os ouvidos, as mãos, a boca, o coração de Cristo na Igreja e no mundo. Esta realidade da presença de Cristo é explicitada na imagem proposta por Paulo, a de que a Igreja é o Corpo de Cristo (1 Coríntios 12,12-30; Romanos 12,4-5). Cristo vive e age na Igreja, que é seu sacramento, sinal e instrumento.
O Apóstolo Paulo deixa claro que Cristo é a cabeça deste corpo (Efésios 1,22). A primazia do Cristo-cabeça lembra à Igreja que Ele é o centro de tudo.
A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ.
O Concílio Vaticano II valorizou a fundamentação sacramental da Igreja, especialmente pelos sacramentos da iniciação cristã. Esses sacramentos fundam a igual dignidade de todos os membros de Cristo. O Batismo nos incorpora a Cristo, pois fomos batizados num só Espírito para formarmos um só corpo (1 Coríntios 12,13; Efésios 4,5). A Crisma nos unge com o óleo do mesmo Espírito de Cristo para sermos defensores e difusores da fé. A Eucaristia une a todos na mesma fração do pão (1 Coríntios 10,17).
A tomada de consciência desta responsabilidade laical, que nasce do Batismo e da Confirmação, não se manifesta de igual modo em toda parte; em alguns casos, porque não se formaram para assumir responsabilidades importantes, em outros por não encontrar espaço nas suas Igrejas paroquiais para poderem exprimir-se e agir por causa de um excessivo clericalismo que os mantém à margem das decisões. Nesse sentido, há de se acolher a decisão que nós, bispos do Brasil, tomamos de fazer com que a catequese em nosso país se transforme em processo de inspiração catecumenal.
IDENTIDADE E DIGNIDADE DA VOCAÇÃO LAICAL
108- A distinção que o Senhor estabeleceu entre os ministros sagrados e o restante do povo de Deus contribui para a união já que os pastores e os demais fiéis estão ligados uns aos outros por uma vinculação comum: os pastores da Igreja, imitando o exemplo do Senhor, prestam serviço uns aos outros e aos fiéis: e estes deem alegremente a sua colaboração aos pastores e doutores.
Por isso, não é evangélico pensar que os clérigos – ministros ordenados – sejam mais importantes e mais dignos, sejam mais Igreja do que os leigos. Esta mentalidade errônea, em seu princípio, esquece que a dignidade não advém dos serviços e ministérios que cada um exerce, mas da própria iniciativa divina, sempre gratuita, da incorporação a Cristo pelo Batismo.
O SACERDÓCIO COMUM
Os cristãos leigos são portadores da graça batismal, participantes do sacerdócio comum, fundado no único sacerdócio de Cristo. O sacerdócio batismal concede direitos na Igreja. Dentre outros, lembramos alguns: associar-se em movimentos de espiritualidade e de apostolado, conhecer a fé, participar dos sacramentos, manifestar-se e ser ouvidos em questões de fé, cooperar na edificação do povo de Deus, educar filhos na fé cristã. Aos direitos acrescentam-se os deveres: participar do múnus profético, sacerdotal e real, colaborar com os pastores na ação evangelizadora, dar testemunho do Evangelho em todos os ambientes. Para os exercícios destes direitos e deveres, nunca deveria faltar-lhes a ajuda dos ministros ordenados. A renovação da Igreja na América Latina não será possível sem a presença dos leigos, por isso, lhes compete, em grande parte, a responsabilidade do futuro da Igreja.
O PERFIL MARIANO DA IGREJA
Para compreendermos, em toda a sua grandeza e dignidade, a natureza e missão dos cristãos leigos, podemos dirigir o nosso olhar para Maria. Nela encontramos a máxima realização da existência cristã. Por sua fé e obediência à vontade de Deus e por sua constante meditação e prática da Palavra, ela é a discípula mais perfeita do Senhor. Mulher livre, forte e discípula de Jesus, Maria foi o verdadeiro sujeito na comunidade cristã.
Perseverando junto aos apóstolos à espera do Espírito, Maria cooperou com o nascimento da Igreja missionária, imprimindo-lhe um selo mariano e maternal, que identifica profundamente a Igreja de Cristo. Maria é a figura da Igreja. Ela precede todos os caminhos rumo à santidade. Na sua pessoa a Igreja já atingiu a perfeição.
Em Maria, mulher leiga, santa, Mãe de Deus, os fiéis leigos encontram razões teológicas para a compreensão de sua identidade e dignidade no povo de Deus. Maria é membro supereminente e de todo singular da Igreja, como seu tipo e modelo excelente na fé e na caridade.
VOCAÇÃO UNIVERSAL À SANTIDADE
Os cristãos leigos, homens e mulheres, são chamados antes de tudo à santidade. A santidade de vida torna a Igreja atraente e convincente, pois os santos movem e abalam o mundo. Se nem todos são chamados ao mesmo caminho, ministérios e trabalhos, todos, no entanto, são chamados à santidade.
Os cristãos leigos se santificam de forma peculiar na sua inserção nas realidades temporais, na sua participação nas atividades terrenas. Santificam-se no cotidiano, na vida familiar, profissional e social. Os santos movem o mundo. O horizonte para que deve tender todo caminho pastoral é a santidade.
LIBERDADE, AUTONOMIA E RELACIONALIDADE
É para a liberdade que Cristo nos libertou (Gálatas 5,1). O cristão leigo é verdadeiro sujeito na medida em que cresce na consciência de sua dignidade de batizado. O cristão leigo também cresce em sua consciência de sujeito quando descobre que sua liberdade, autonomia e relacionalidade não são apenas características de cada ser humano maduro, mas quando experimenta essas características como dom do Cristo crucificado e ressuscitado.
Portanto, a Igreja é a comunhão de libertos para uma vida nova, para o serviço, em harmonia e respeito. A verdadeira comunhão cristã gera autonomia, liberdade e corresponsabilidade, por sua vez, estas são necessárias para a autêntica comunhão (Gálatas 2,1-2.9-11). É na Igreja e como Igreja que o cristão leigo vivencia a liberdade, a autonomia e a relacionalidade.
A MATURIDADE DOS CRISTÃOS LEIGOS
Os cristãos leigos são embaixadores de Cristo.e participam do pleno direito na missão da Igreja e tem um lugar insubstituível no anúncio e serviço do Evangelho.
130- Para uma adequada formação de verdadeiros sujeitos maduros e corresponsáveis para a missão, é necessário que a liberdade e autonomia se desenvolvam não no fechamento ou na indiferença, mas na abertura solidária aos outros e às suas realidades.
A vivência comunitária favorece o amadurecimento cristão, que acontece numa dinâmica que exige o equilíbrio entre o eu e o outro, sem isolamento nos dons e funções individuais e sem aniquilamento da individualidade em função da comunidade
ENTRAVES À VIVÊNCIA DO CRISTÃO COMO SUJEITO NA IGREJA E NO MUNDO
O cristão encontra alguns entraves para a vivência de sua fé de modo integral e integrado. Algumas oposições estão tão enraizadas na mentalidade e na prática das comunidades e dos fiéis que podem chegar a impedir alguns cristãos leigos a se verem como verdadeiros sujeitos na Igreja e no mundo. É empobrecedor, para a fé cristã, opor e excluir realidades que deveriam estar relacionadas e articuladas. Eis algumas delas:
1-Oposição entre fé e vida – segundo esta mentalidade e prática, o mundo da fé é superior e até mesmo oposto ao mundo da vida. Nos Evangelhos, ao contrário, Jesus nos mostra como a fé em Deus se expressa em torno das dimensões da vida: pessoal (Mateus 6,21); familiar (Mateus 19,14; Lucas 15,11); comunitária (Mateus 18,21); profissional (Lucas 19,8); sociopolítica (Mateus 6,24). Por isso não podemos separar a fé da vida, mas pela fé viver e realizar ações consequentes para a revelação e expansão do Reino de Deus na história.
2-Oposição entre sagrado e profano – Isso acontece quando opomos objetos, pessoas, situações, tempos e lugares que seriam profanos de pessoas, situações, tempos e lugares ou objetos que seriam sagrados. Jesus não frequentava apenas as sinagogas (espaço sagrado), mas também atuava nas barcas, nas margens dos lagos, nas casas, nas cidades, nos caminhos. Jesus não viveu isolado, mas relacionou-se com todo tipo de pessoas. Chegou mesmo a dizer que os publicanos e as prostitutas precederiam os anciãos e os sumos sacerdotes no Reino de Deus (Mateus 21,31).
3-Oposição entre Igreja e o mundo – Para muitos a Igreja é vista como refúgio, arca da salvação, lugar para o encontro com Deus, enquanto o mundo é lugar do pecado, da perdição e da maldade. Por isso é preciso fugir do mundo e refugiar-se nas sacristias, conventos, mosteiros, Igrejas, templos. A novidade maravilhosa da Encarnação nos leva a valorizar este único mundo e esta única história, onde vivemos e que nos compete transformar em unidade com o todo do gênero humano. A Igreja está comprometida com este mundo como sacramento e sinal da salvação misericordiosa de Deus e, nesta missão, peregrina até que o Reino de Deus se manifeste plenamente em novo céu e nova terra.
4-Oposição entre identidade eclesial e ecumenismo – Há quem se preocupe que a opção da Igreja pelo ecumenismo possa levar à perda da identidade católica. Por isso se fecham em suas comunidades e não conseguem ver as expressões evangélicas presentes em outras igrejas cristãs. Devemos lembrar que o diálogo ecumênico é uma postura inerente à natureza e missão da Igreja e não simplesmente uma estratégia de evangelização. Portanto, quanto mais católica, mais dialogal será a Igreja. Tal atitude colabora para que o desejo de Jesus se realize: “que todos sejam um” (João 17,21).
A valorização das tarefas no interior da Igreja em detrimento dos compromissos com a inserção na realidade leva os cristãos leigas e leigos à esquizofrenia religiosa: o cristão leigo corre o risco do comodismo, da indiferença, da intolerância e da incoerência em sua vida de sujeito eclesial e cidadão do mundo.
ÂMBITOS DE COMUNHÃO ECLESIAL E ATUAÇÃO DO LEIGO COMO SUJEITO
Temos insistido que a presença e atuação dos cristãos leigas e leigos se dá na Igreja e no mundo. No âmbito da Igreja há muitos espaços nos quais os cristãos leigos exercem o seu ser e seu agir cristãos. Citamos alguns deles:
A FAMÍLIA, que é o âmbito não só da geração, mas também do acolhimento da vida que chega como um presente de Deus. É a beleza de ser amado primeiro: os filhos são amados antes de chegar. Na celebração sacramento do matrimônio os cristãos leigos exercem seu sacerdócio batismal. Eles são os ministros da celebração. Exercem seu sacerdócio, não só na celebração, mas igualmente n a consumação do sacramento, na geração e educação dos filhos. Santificam-se no cotidiano da família, Igreja doméstica.
A PARÓQUIA E AS COMUNIDADES ECLESIAIS: são espaço para a vivência da unidade na diversidade em que os cristãos leigos atuam como sujeitos e tem cidadania plena. As pequenas comunidades, onde se celebram as reflexões bíblicas e as novenas ou encontros nos tempos fortes, os grupos de terço, as pastorais são formas concretas de comunhão e participação nas quais o cristão leigo atua como sujeito eclesial.
OS CONSELHOS PASTORAIS E OS CONSELHOS DE ASSUNTO ECONÔMICO: consequência do espírito da Igreja vivida em comunhão, fundamentada na Santíssima Trindade. A ausência dos Conselhos Pastorais é reflexo da centralização da Igreja na figura do padre. Criem-se os Conselhos de Pastoral em todos os níveis: comunitário, paroquial, diocesano, regional e nacional. Reconhecemos que estamos muito atrasados nisso. Os Conselhos devem ser apoiados, acompanhados e respeitados, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão. Os Conselhos de Assuntos Econômicos são determinantes para todas as pessoas jurídicas da Igreja e têm a tarefa de colaborar na administração, manutenção e planejamento financeiro das comunidades, paróquias e dioceses. A concordância entre o Conselho Econômico e o Conselho Pastoral contribui para que não aconteça o mau uso do dinheiro e a prática da corrupção na Igreja, mas transparência na prestação de contas a quem a sustenta e ao Estado.
AS ASSEMBLEIAS E REUNIÕES PASTORAIS: Nas assembleias e reuniões pastorais aprende-se a ser Igreja. Elas precisam ser bem preparadas, com boa recepção, metodologia, oração e espiritualidade. Deve haver, com antecedência, estudo de algum trema ou reflexões provocadas por perguntas que farão parte da pauta no dia da assembleia. Nas assembleias temos oportunidade de ser Igreja comunidade, Igreja família, Igreja comunhão. Ciúmes, fofocas, manipulações, além de trazer divisões, agressões, brigas, causam fracasso pastoral.
AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE E AS PEQUENAS COMUNIDADE: são uma forma de vivência comunitária da fé, de inserção na sociedade, de exercício do profetismo e de compromisso com a trans formação da realidade sob a luz do Evangelho. As pequenas comunidades, como lembra o Documento de Aparecida no número 308, são ambientes propícios para escutar a Palavra de Deus, para viver a fraternidade, para animar na oração, para aprofundar processos de formação na fé e para fortalecer o exigente compromisso de ser apóstolo na sociedade hoje.
CRITÉRIOS DE ECLESIALIDADE
Para preservar a unidade da Igreja, o Papa Francisco, como também São João Paulo II, lembram que as comunidades cristãs devem seguir os seguintes critérios:
1-primazia à vocação de cada cristão; 2- responsabilidade em professar a fé católica no conteúdo integral; 3- o testemunho de uma comunhão sólida com o Papa, com o Bispo, com o Pároco na estima recíproca de todas as formas de apostolado na Igreja; 4- A conformidade e a participação na finalidade apostólica da Igreja, que é a evangelização e santificação das pessoas; 5- O empenho de uma presença na sociedade a serviço da dignidade integral da pessoa humana mediante a participação e solidariedade para construir condições mais justas e fraternas.
CARISMAS, SERVIÇOS E MINISTÉRIOS NA IGREJA
Assim como Deus é um na diversidade das três pessoas, também a Igreja é unidade na diversidade. O mesmo Espírito divino que garante a comunhão na mesma fé e no mesmo amor, em um só Senhor e um só Batismo (Efésios 4,5), suscita também a diversidade de dons, carismas e serviços e ministérios no interior da Igreja. A diversidade de dons suscitada pelo Espírito possibilita respostas criativas aos desafios de cada momento histórico (1 Coríntios 12, 4-10; Romanos 12, 6-8; 1 Pedro 4, 10-11).
Por meio dos carismas, serviços e ministérios, o Espírito Santo capacita a todos na Igreja para o bem comum, a missão evangelizadora. E a transformação social, em vista do Reino de Deus. Carismas, segundo São João Paulo II, são dons e impulsos especiais que podem assumir as mais variadas formas, como expressão da liberdade absoluta do Espírito e como resposta às necessidades da Igreja; têm uma utilidade eclesial, quer sejam extraordinários ou simples.
É importante destacar que todo ministério é um carisma, por ser um dom de Deus, mas nem todo carisma é um ministério, pois o ministério assume a forma de serviço, bem determinado, envolvendo um conjunto mais amplo de funções que responda a exigências permanentes da comunidade e da missão, comporte verdadeira responsabilidade e seja colhido e reconhecido pela comunidade eclesial.
O empenho para que haja participação de todos nos destinos da comunidade supõe reconhecer a diversidade de carismas e ministérios dos leigos. Por isso não é mais possível pensar uma Igreja que não incentive a participação e a corresponsabilidade dos cristãos, leigos, na missão.
SERVIÇO CRISTÃO AO MUNDO
A atuação cristã dos leigos no social e no político não deve ser considerada ministério, mas serviço cristão ao mundo na perspectiva do Reino. Assim, a participação consciente e decisiva dos cristãos em movimentos sociais, entidades de classe (sindicatos), partidos políticos, conselhos de políticas públicas e outros, sempre à luz da Doutrina Social da Igreja, constitui-se num inestimável serviço à humanidade e é parte integrante da missão de todo o povo de Deus. Portanto, ser cristão, sujeito eclesial e ser cidadão não podem ser vistos de maneira separada.
Permanecendo Igreja, como ramo na videira (João 15,5) o cristão leigo transita no ambiente eclesial (Igreja) ao mundo civil, para, a modo de sal, luz (Mateus 5,13-14) e fermento (Mateus 13,33; Lucas 20,21), somar com todos os cidadãos de boa vontade, na construção da cidadania plena para todos. Não é preciso sair da Igreja para ir ao mundo como não é preciso sair do mundo para entrar e viver na Igreja.
CAPÍTULO III
A AÇÃO TRANSFORMADORA NA IGREJA E NO MUNDO
Antes de deixar este mundo, Jesus Cristo enviou seus discípulos em missão: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura” (Marcos 16,15). Jesus envia seus discípulos como fermento, sal e luz ao mundo. O fermento, quando misturado à massa, desaparece. No entanto, a massa já não é mais a mesma. A ação dos cristãos leigas e leigos na caminhada da Igreja é história viva, sofrida e frutuosa.
IGREJA COMUNIDADE MISSIONÁRIA
A Igreja em “chave de missão” significa estar a serviço do reino, em diálogo com o mundo, inculturada na realidade histórica, inserida na sociedade, encarnada na vida do povo. Uma Igreja em saída entra na noite do povo, é capaz de fazer-se próxima e companheira, mãe de coração aberto, para curar feridas e aquecer o coração.
A Igreja é comunhão no amor, seguidora de Cristo e servidora da humanidade. Por isso a essência da Igreja é a missão, a Igreja é toda ela missionária. Igreja é a comunidade de missionários que age na terra segundo o modelo das três pessoas divinas, que tudo fazem em vista do Reino, do amor, justiça e paz.
O Papa Francisco quer uma Igreja de portas abertas, mais forte no querigma do que no legalismo. Uma Igreja da misericórdia mais do que da severidade.
O Papa Francisco diz que não podemos ficar tranquilos no templo, nem dizer que foi sempre assim. A vida é uma missão. Os cristãos leigos , motivados pelo Para Francisco, não terão medo de se sujar com a lama da estrada. Antes, terão medo de ficar fechados nas estruturas que criamos. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus.
O Papa Francisco afirma que cada cristão, consciente do seu batismo, deve dizer: “Eu sou uma missão nesta terra e para isso estou no mundo”. Quando todos os cristãos, leigos, como também os ministros ordenados tiverem esta consciência faremos a passagem de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária.
O cristão discípulo missionário enfrentará como profeta, as realidades que contradizem o Reino de Deus e insistirá em dizer: Não a uma economia da exclusão. Não à cultura do descartável. Não à globalização da indiferença. Não à especulação financeira. Não ao dinheiro que domina ao invés de servir. Não à desigualdade social que gera violência. Não à fuga dos compromissos. Não ao pessimismo. Não à guerra entre nós Ficar na pastoral de mera conservação é não ter coragem para enfrentar estas situações. Embora não desgastados por este enfrentamento, as comunidades cristãs que primam só pela conservação com certeza perderão o entusiasmo, e a alegria que brota da verdadeira missão. Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário. Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização. Não deixemos que nos roubem a esperança. Não deixemos que nos roubem a comunidade. Não deixemos que nos roubem o Evangelho. Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno. Eis o que significa ser missionário no mundo globalizado, consumista e secularizado.
IGREJA POBRE, PARA OS POBRES, COM OS POBRES
Jesus se fez pobre para todos salvar. Por isso há que se afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres, O Papa Francisco afirma que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual.
O Documento de Aparecida descreve que são estes pobres que precisam do cuidado espiritual: pessoas que vivem e moram nas ruas, os migrantes, os enfermos, os dependentes de drogas, os detidos nas prisões.
O que nos move à missão? Quando olhamos os rostos dos que sofrem, do trabalhador desempregado, da mãe que perdeu o filho para o narcotráfico, da criança explorada, quando recordamos estes rostos e nomes, estremecem nossas entranhas diante de tanto sofrimento e comovemo-nos. Isso nos comove e faz chorar e nos impele à missão, disse o papa Francisco no II Encontro Mundial de Movimentos Populares.
A IGREJA DO SERVIÇO, DA ESCUTA, DO DIÁLOGO
A Igreja se propõe a trabalhar na construção de uma cultura do encontro. Isso implica não se fechar na própria comunidade, no grupo de amigos, na própria religião, em si mesmo. Na cultura do encontro todos contribuem e recebem. Trata-se de uma postura aberta e disponível para a qual é necessária uma humildade social que considere, por exemplo, a importância das culturas e religiões e o respeito aos direitos autênticos de cada um. Trata-se de um desafio para toda a Igreja, passar de atitudes fechadas à formação de uma nova cultura, que constrói cidadania no diálogo e que não tem medo de acolher o que o outro, o diferente, tem a oferecer. Esse é o espaço aberto para os cristãos leigos, nesta sociedade dilacerada pelo desrespeito ao diferente, pela intolerância e pelo medo do outro.
UMA ESPIRITUALIDADE ENCARNADA
Uma espiritualidade encarnada caracteriza-se pelo seguimento de Jesus, pela vida no Espírito, pela comunhão fraterna e pela inserção no mundo. Não podemos querer um Cristo sem carne e sem cruz.. A espiritualidade cristã sempre terá por fundamento os mistérios da encarnação e da redenção de Jesus Cristo. Esse enfoque deve permear a formação laical desde o processo da iniciação cristã.
A partir de Jesus Cristo, os cristãos leigos infundem uma inspiração de fé e amor nos ambientes e realidade em que vivem e trabalham. Em meio a missão, como sal, luz e fermento, leigos e leigas, nos ambientes em que vivem no mundo, testemunham sua identidade cristã, como ramos na videira, na comunidade, na fé, oração e partilha.
Para que esta atitude esteja fortalecida, a oração e a contemplação são fundamentais. É preciso cultivar um espaço interior dinamizado por um espírito contemplativo que permita um encontro significativo com o Deus revelado por Jesus Cristo, que nos permite descobrir que somos depositários de um bem que humaniza, que nos ajuda a viver uma vida nova, portanto, a buscar esta vida nova para todos.
O verdadeiro trabalhador da vinha nunca deixa de ser discípulo. A experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo sempre renovada é a única capaz de sustentar a missão. Por isso o discípulo missionário deve dedicar tempo à oração sincera, que leva a saborear a amizade e a mensagem de Jesus.
Em virtude do Batismo, que está na origem do sacerdócio comum dos fiéis, os cristãos leigos são chamados a viver e a transmitir a comunhão com a Trindade, fonte de nossa vida comunitária e do amor transbordante que devemos testemunhar.
O Apóstolo Paulo destaca o fundamento trinitário da vida em comunidade, feita de diversidades e de unidade. O Deus, uno e trino, é fonte e modelo de toda vida comunitária. Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes atividades, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos (1 Crríntios 12,4-6).
Um desafio para os cristãos leigos é superar as divisões (Atos 2,42-45;4,32-35) e avançar no seguimento de Cristo, aprendendo e praticando as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do Mestre Jesus: sua obediência ao Pai, compaixão diante da dor humana, amor serviçal até o dom de sua vida na cruz: “ Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Marcos 8,34).
ESPIRITUALIDADE DA COMUNHÃO E MISSÃO
Em sua inserção no mundo, os cristãos leigos são convidados a viver a espiritualidade de comunhão e missão. Comunidade missionária, a Igreja está voltada ao mesmo tempo para dentro e para fora. Para que este movimento seja eficaz, é necessária a espiritualidade da comunhão que gera a abertura ao diferente. O outro não é apenas alguém, mas um irmão, dom de Deus, continuação da Encarnação do Senhor. O outro é diferente de mim. E esta diferença nos distingue, mas não nos separa. Espiritualidade de comunhão e missão significa respeito mútuo, diálogo, proximidade, partilha, benevolência e beneficência.
A espiritualidade da comunhão e missão se comprova no esforço e na prática da misericórdia, do perdão da reconciliação e da fraternidade, até o amor aos inimigos. Sem a espiritualidade de comunhão e missão caímos nas “máscaras de comunhão” e damos espaço ao terrorismo da fofoca, às suspeitas, ciúmes, invejas que são sentimentos e atitudes destrutivas.
MÍSTICAS QUE NÃO SERVEM
Há certo cristianismo feito de devoções- próprio de uma vivência individual e sentimental da fé – que na realidade não corresponde a uma autêntica piedade popular. Alguns promovem estas devoções sem se preocupar com a promoção social e a formação dos fiéis, fazendo em alguns casos para obter benefícios econômicos ou algum poder sobre os outros.
O Papa Francisco alerta que a missão precisa do pulmão da oração, da mística, da espiritualidade, da vida interior. Todavia, continua o papa, “Não nos servem, para a missão, místicas desprovidas de um vigoroso compromisso social e missionário, nem os discursos e ações pastorais sem uma espiritualidade que transforme o coração”.
ESPIRITUALIDADE POPULAR
O povo se evangeliza a si mesmo iluminado pelo Espírito Santo. A religiosidade popular é fruto do evangelho inculturado, é um lugar teológico ao qual devemos prestar atenção porque tem muito para nos ensinar.
Pensemos na fé firme das mães rezando ao pé da cama de seus filhos doentes, na carga imensa de esperança contida numa vela acesa, no olhar que se volta para o crucifixo, para o céu, para Maria e os santos. A espiritualidade popular, que também precisa ser evangelizada, revelam a fé e o amor a Deus neste ambiente de secularização e de indiferença religiosa em que vivemos. A espiritualidade popular é uma confissão de fé que evangeliza filhos, vizinhos, parentes, amigos e toda a sociedade.
O MUNDANISMO ESPIRITUAL
Uma forma de mundanismo espiritual, segundo o Papa Francisco, consiste em só confiar nas próprias forças e se sentir superior aos outros por ser fiel a certo estilo católico, próprio do passado. O mundanismo espiritual atinge tanto a liturgia como a militância social: 1- há uma pretensão de dominar o espaço da Igreja com um cuidado exibicionista da liturgia; 2- por outro lado, o mundanismo espiritual se esconde atrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e políticas.
A PRESENÇA E ORGANIZAÇÃO DOS CRISTÃOS LEIGOS NO BRASIL
Durante a primeira metade do século XX constatamos a presença das confrarias e associações que em geral eram conduzidas pelo clero. Em 1935, no Brasil, foi oficializada a Ação Católica Geral e, mais tarde, a Ação Católica Especializada, que acolhia a Juventude Agrária Católica, Juventude Estudantil Católica, Juventude Operária Católica, Juventude Universitária Católica e Ação Católica Operária. Articulada em âmbito nacional, a Ação Católica teve presença significativa na realidade da Igreja e social daquele período. Nos anos que antecederam o Concílio Vaticano II, os membros da Ação Católica descobriram que sua ação decorria do batismo recebido e não de um mandato do bispo. Esta nova consciência gerava o compromisso com a ação transformadora da sociedade, buscando impregná-la dos valores evangélicos. Neste período também foi sendo delineado os traços da teologia do laicato e por conseguinte o estatuto próprio do leigo na Igreja como iria aparecer mais tarde.
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), constituídas no Brasil, desde 1960, assumem como centro a Palavra sempre numa dimensão missionária que conduz ao engajamento nas lutas de transformação da sociedade na perspectiva do Reino de Deus.
Outro espaço privilegiado de participação dos cristãos leigos, são as Pastorais Sociais. Elas significam a solicitude e o cuidado de toda a Igreja missionária diante de situações reais de marginalização, exclusão e injustiça. A sua atuação deve ser profético-transformadora, indo além do assistencialismo.
Ressaltamos a participação do cristão leigo, jovem, na Igreja e no mundo através das diversas pastorais da juventude: Juventude Estudantil, Universitária, Rural, etc. Destacamos os incontáveis cristãos leigos que atuam nas universidades, escolas, hospitais, asilos, creches, ,meios de comunicação, onde quer que seja, evangelizando pelo testemunho e contribuindo para a expansão do Reino de Deus.
A participação e presença dos cristãos leigos acontecem também na dinâmica interna das comunidades nos conselhos econômicos, pastorais, na vida litúrgica, nas diversas pastorais, na catequese. São jovens, adultos, idosos e até crianças que se colocam à serviço da dinâmica da Igreja no ambiente interno da evangelização.
O CONSELHO NACIONAL DO LAICATO DO BRASIL
Nos anos de 1970, no Brasil, fruto do Concílio Vaticano II, criou-se o então Conselho Nacional dos Leigos, hoje Conselho Nacional do Laicato do Brasil. A partir de 1964, com o golpe militar e também conflitos com a hierarquia e outros segmentos leigos, resultou na extinção da Juventude Universitária Católica e da Juventude Estudantil Católica. Em 1970, na 11ª Assembleia Geral da CNBB foi aprovada, com a participação de leigos, o Secretariado Nacional do Apostolado Leigo que, em 1975 criou o Conselho Nacional dos Leigos.
Todo este esforço para organizar a ação laical na Igreja e no mundo tem seus fundamentos. Na evangelização do mundo de hoje há questões às quais só os cristãos leigos oficialmente organizados podem dar respostas como Igreja inserida no mundo. O Documento de Aparecida, em seu número 215, destaca: “Reconhecemos o valor e a eficácia dos Conselhos paroquiais, Conselhos Diocesanos e nacionais de fieis leigos, porque incentivam a comunhão e a participação na Igreja e sua presença ativa no mundo”.
O tema do laicato retornou na Assembleia da CNBB em 1998, que gerou o Documento 62 sobre a Missão e Ministérios dos leigos. Este documento, no número 191, diz: “é desejável que em sua missão os cristãos leigos, superando eventuais divisões e preconceitos, busquem valorizar suas diversas formas de organização, em especial os Conselhos de Leigos em todos os níveis”
Em 2004 a CNBB aprovou o estatuto do Conselho Nacional dos Leigos do Brasil (CNLB). Além de ser um organismo de comunhão, o CNLB tem por objetivo criar e apoiar mecanismos de formação e capacitação que ajudem o laicato a descobrir sua identidade, vocação, espiritualidade e missão, com vistas à construção de uma sociedade justa e fraterna, sinal do Reino de Deus.
DIVERSAS FORMAS DE EXPRESSÃO LAICAL
Destacamos a presença muito viva das associações laicais nascidas a partir dos carismas das ordens e congregações religiosas, que contribuem para que muitos cristãos leigos vivam profunda espiritualidade e assumam presença junto aos mais pobres, numa perspectiva de assistência, promoção humana e no compromisso sociotransformador.
A Igreja conta hoje com uma gama variada de associações de fiéis que agregam leigos, outras que agregam leigos e clérigos e ainda aquelas que contemplam leigos consagrados. Há também as novas comunidades, que têm emergido com significativa força, centradas nos laços comunitários, que pedem de cada membro uma adesão estável visível e institucionalizada. Muitas delas configuram um espaço misto de vida leiga, religiosa e clerical.
Todas as formas de associação existem para a edificação da Igreja e para contribuir com a sua missão no mundo. Nesse sentido, são de grande atualidade as orientações dadas pelo Apóstolo Paulo à comunidade de Corinto: os dons existem para a edificação da Igreja e não podem servir como busca de poder religioso dentro da comunidade (1 Coríntios 12,28—13.14
A FORMAÇÃO DO LAICATO
Cada organização laical deve assumir a formação de seus membros como primordial, o que exige empenho de todos. Sem uma formação permanente, contínua e consistente, o cristão leigo corre o risco de estagnar-se em sua caminhada eclesial. A formação do sujeito eclesial, para ser integral precisa considerar as dimensões humana e espiritual, teológica e pastoral, teórica e prática.
A FORMAÇÃO DE SUJEITOS ECLESIAIS
A Igreja, particularmente os bispos e os presbíteros, tem a missão de formar cristãos leigos missionários, conscientes e ativos, de forma que cada qual venha a contribuir com a educação dos demais numa ação de aprendizagem mútua por todos os meios que sejam necessários.
A formação contínua dos cristãos leigos implica em amadurecimento contínuo da missão para que de fato a Igreja esteja sempre em saída, enfrentando os inúmeros desafios do século XXI.
FUNDAMENTOS DA FORMAÇÃO
A formação é uma exigência de nossa condição humana, pois convivemos com limitações. Isso exige de todo o Povo de Deus, e de cada um em particular, a busca permanente da compreensão e da vivência da nossa fé. Por essa razão, é necessário encontrar, em cada contexto, os meios mais adequados de compreensão e comunicação do Evangelho, recorrendo para tanto à teologia e as diversas ciências. As mudanças rápidas e profundas pelas quais passam a sociedade e a própria Igreja exigem cuidado especial para que uma formação adequada permita que mensagem se torne compreensível e promova o desejo de seguir o projeto de Jesus Cristo.
PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO DO LAICATO
A formação, entendida como educação permanente da fé, possui um aspecto espontâneo que acontece na vivência prática da própria fé. A formação possui também um aspecto sistemático e formal como atividade planejada e executada pela e na comunidade eclesial. Isso se refere a todas as modalidades de formação oferecidas em cursos regulares: formação básica oferecida a todos os sujeitos em suas respectivas comunidades, bem como formação específica relacionada a cada função e a cada grupo eclesial.
A formação deve contribuir para que os cristãos leigos vivam o seguimento de Jesus Cristo e deem resposta do que significa ser cristão hoje, no Brasil e no mundo, situando-os como cristãos no lugar e na época em que vivem. Para pensar a formação, devemos fazê-lo a partir dos sinais dos tempos, do nosso continente, marcado pela cultura cristã e pela pobreza.
A Doutrina Social da Igreja oferece critérios e valores, respostas e rumos pra as necessidades, as perguntas e questionamentos da ordem social, em vista do bem comum. Lamentavelmente esta Doutrina ainda é muito desconhecida nos diversos setores da Igreja.
Fundamentada na Palavra de Deus e nos documentos do Magistério da Igreja, a formação do laicato católico terá as seguintes características:
1- Mistagógica- relacionada com a catequese, a liturgia e a vida para favorecer a conversão pessoal e pastoral.
2- Integral- para responder aos aspectos da fé, da razão, da emoção e da espiritualidade.
3- Missionária e Inculturada- para que os cristãos, conscientes da sua vocação e missão, vão ao encontro dos demais em sua realidade.
4- Articulada – de modo a superar as separações entre fé e vida, Igreja e mundo, clero e leigo.
5- Prática- de modo que o cristão leigo e leiga se insiram na realidade da sociedade como agentes de transformação.
6- Dialogante, que destrói os muros que separam as pastorais e as comunidades, superando isolamentos e autoritarismos eclesiais e sociais.
7- Específica- de modo que atenda às necessidades de cada ação pastoral na Igreja e na Sociedade.
8- Permanente e atualizada – capaz de acompanhar e responder com prontidão aos desafios advindos da realidade global e local, levando sempre em conta as orientações da Doutrina Social da Igreja.
9- Planejada- pedagogicamente organizada a partir de projetos tecnicamente elaborados com garantia de recursos capazes de responder aos proposto nos itens anteriores.
PROJETO DIOCESANO DE FORMAÇÃO
O Documento de Aparecida, no número 281, ressalta a necessidade de que cada diocese tenha um projeto de formação do laicato. As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora na Igreja do Brasil 2015-2019 enfatiza um projeto diocesano de formação para os leigos que contemple:
1-objetivos, diretrizes, prioridades e meios articulados com o plano pastoral dicoesano. 2-formação básica de todos os membros da comunidade; formação específica, conforme os campos da missão, especialmente de quem atua na sociedade e dos formadores. 3- aprimoramento bíblico-teológico dos cristãos leitos e leigas 4-presença de cristãos leigos na coordenação e execução do projeto. 5- diálogo com as diferentes formas organizativas dos cristãos leigos . 6- união entre fé, vida e liturgia para a autenticidade da vida comunitária e testemunho evangélico na transformação da sociedade.
A AÇÃO TRANSFORMADORA DO CRISTÃO LEIGO NO MUNDO
O Reino de Deus é dom e missão. Como dom deve ser acolhido e como missão deve ser buscado, testemunhado e anunciado. Para esta missão a Igreja contribui em comunhão com todos os homens e mulheres que buscam construir uma sociedade justa e fraterna.
A Igreja existe para o Reino de Deus. Dessa convicção ela se nutre e nessa direção se organiza em suas estruturas. Pela força do Espírito a ação da Igreja é direcionada para fora de si mesma como servidora do ser humano, buscando a transformação da sociedade através das graças do Reino de Deus.
MODOS DE AÇÃO TRANSFORMADORA
A ação transformadora do cristão leigo e leiga no mundo pode ter diferentes modos de realização, entre os quais destacamos:
1-O testemunho como presença que anuncia Jesus Cristo em cada lugar e situação onde se encontra, a começar pela família; 2- a ética e a competência no ambiente profissional; 3- o anúncio querigmático nos encontros pessoais, nas visitas domiciliares e no ambiente de trabalho; 4-Os serviços, pastorais e ministérios pelos quais os cristãos leigos marcam presença no mundo; 5-a inserção na vida social através das pastorais sociais; 6- os meios de organização e atuação na vida cultural e política com vistas para o mundo justo, sustentável e fraterno.
São João Paulo II lembra que: “Ao descobrir e viver a própria vocação e missão os fiéis leigos devem ser formados para aquela unidade de que está assinalada a sua própria situação de membros da Igreja e de cidadãos da sociedade humana”.
CRITÉRIOS GERAIS DA AÇÃO TRANSFORMADORA
O Papa Francisco sugere alguns critérios gerais para a ação transformadora dos cristãos leigos no mundo:
1- A ação evangelizadora inclui sempre a Igreja, a sociedade e cada pessoa individualmente. 2- A ação requer discernimento das realidades concretas. O mundo é uma realidade a ser constantemente discernida. Este discernimento deve ser iluminado pelos valores do Reino de Deus, sempre a partir da fé que ilumina as realidades do mundo. 3- Todos somos convidados a sair da própria comodidade e alcançar as periferias que precisam da luz do Evangelho. 4-A ação evangelizadora inclui a opção preferencial pelos pobres, a solidariedade, a defesa da vida humana, especialmente onde ela é negada ou agredida. 5- A ação de dialogar com o mundo social., cultural, religioso e ecumênico deve promover a cultura do encontro e a inclusão do outro na vivência da fraternidade. 6- A ação deve considerar a primazia do humano antes de qualquer outra, sob o risco de cair em idolatria.
PRINCÍPIOS PARA A AÇÃO TRANSFORMADORA
O Papa Francisco elenca explicitamente quatro princípios específicos que visam contribuir para a construção de um povo em paz, justiça e fraternidade.
1-O tempo é superior ao espaço:É necessário planejar e esperar os resultados da ação em um horizonte mais amplo, dentro do qual a paciência aguarda os frutos amadurecerem, a esperança supera todos os desânimos e a fé transcende os imediatismos da ação. 2- A Unidade prevalece sobre os conflitos: A ação se depara sempre com situações conflitantes. A convicção de que a unidade é um princípio superior que norteia a ação permite encarar de frente o conflito e buscar caminhos de superação. 3- A realidade é mais importante que as ideias: A ação transformadora ocorre a partir de um ideal transformador. Contudo, esse ideal não pode dispensar a realidade, lugar da encarnação da Palavra de Deus. 4- O todo é superior à parte: É necessário ter sempre como horizonte maior a pessoa de Jesus Cristo e seu Reino. Desse modo se evitarão todas as formas de isolamentos locais e de relativismos individualistas.
A AÇÃO DOS CRISTÃOS LEIGOS NOS AREÓPAGOS MODERNOS
O Apóstolo Paulo, depois de ter pregado em numerosos lugares, chega a Atenas e vai ao areópago, onde anuncia o Evangelho, usando uma linguagem adaptada e compreensível para aquele ambiente (Atos 17, 22-31). O areópago que representava o centro da cultura do povo ateniense é tomado como símbolo dos novos ambientes onde o Evangelho deve ser proclamado.
Os cristãos leigos são os primeiros membros da Igreja a se sentirem interpelados na missão junto aos areópagos – essas grandes áreas culturais ou mundos ou fenômenos sociais ou, mesmo, sinais dos tempos. O Papa emérito Bento XVI ofereceu-nos luzes e encorajamento para o profetismo dos leigos na missão junto a esses areópagos. Diz o Papa: “O sacramento da Eucaristia tem um caráter social. A união com Cristo é ao mesmo tempo união com todos os outros a quem ele se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim. É necessário explicitar a relação entre o mistério eucarístico e o compromisso em prol da justiça, à vontade de transformar também, as estruturas injustas. A Igreja não deve ficar à margem da luta pela justiça”.
A partir da Eucaristia nasce a coragem profética. Não podemos ficar insensíveis diante dos processos de globalização que faz crescer a distância entre ricos e pobres. É impossível calar diante dos grandes campos de deslocados ou refugiados, amontoados em condições precárias. Basta dizer que menos da metade das somas globalmente destinadas a armamentos poderia tirar de modo estável da indigência o exército ilimitado dos pobres. Isso interpela a nossa consciência.
A FAMÍLIA: AREÓPAGO PRIMORDIAL
A família, comunidade de vida e amor, escola de valores e Igreja doméstica, é a grande benfeitora da humanidade. Nela se aprendem as orientações básicas da vida: o afeto, a convivência, a educação para o amor, a justiça e a experiência de fé. O mundo se torna uma grande família onde os cristãos leigos são protagonistas da evangelização, que deve sempre primar pela valorização da família, que as jovens gerações também desejam constituir.
Reafirmamos e defendemos a dignidade, a inviolabilidade e os direitos do embrião humano. O aborto é uma violação do direito à vida, uma crueldade e grave injustiça contra os inocentes e indefesos. Recomendamos aos leigos que assumam com alegria e dedicação o cuidado da família e a transmissão da fé aos filhos em sintonia com o plano de Deus e os ensinamentos do Magistério da Igreja.
O MUNDO DA POLÍTICA
Deixemo-nos tocar pelo que nos ensina o Papa Francisco sobre os leigos e a política: “Peço a Deus que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que vise efetivamente a sanar as raízes profundas dos males do nosso mundo. A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum. Temos de nos convencer que a caridade é o princípio não só das microrrelações, mas também das macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos. Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo e a vida dos pobres”.
Grande impulso foi dado pelo Papa emérito Bento XVI a respeito da ação política dos leigos: “O leigo cristão é chamado a assumir diretamente a sua responsabilidade política e social. Dirijo, pois, um apelo a todos os fiéis para que se tornem realmente obreiros da paz e da justiça”.
É urgente que as dioceses busquem:
1- estimular a participação dos cristãos leigos na política. Há necessidade de romper o preconceito de que a política é coisa suja. Ao contrário, ela é essencial para a transformação da sociedade. 2- impulsionar os cristãos leigos na participação dos mecanismos de controle social e da gestão participativa (conselhos municipais). 3- Incentivar e preparar cristãos leigos a participarem de partidos políticos e serem candidatos para o executivo e o legislativo, contribuindo para a transformação social, 4- Mostrar aos membros das nossas comunidades que há várias maneiras de tomar parte na política: nos conselhos paritários de políticas públicas, movimentos sociais, conselhos de escola, coleta de assinaturas para projetos de lei de iniciativa popular. 5- Incentivar e animar a constituição de cursos ou escolas de Fé e Política ou Fé e Cidadania. 6- Acompanhar os cristãos que estão com mandatos (executivo ou legislativo), no judiciário e no ministério público a fim de que vivam também aí a missão profética, promovendo reuniões, encontros, momentos de oração, reflexão e retiros.
O MUNDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
As Diretrizes Gerais para a Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2015-2019 sugerem aos leigos cristãos que colaborem com os movimentos populares e entidades da sociedade civil em favor da implantação e da execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a promoção da vida e do bem comum.
Nos Conselhos de Direitos há um grande espaço para os cristãos leigos se empenharem por políticas públicas em favor da saúde e da educação, do emprego e da segurança, da mobilidade urbana e do lazer. Esses Conselhos de Direitos são um lugar privilegiado de participação de cristãos leigos na vida polític.
O MUNDO DO TRABALHO
267- As Dioceses se esforcem para:
1- Criar e fortalecer as pastorais do mundo do Trabalho urbano e rural. 2- Criar e motivar grupos de partilha e de reflexão para os diferentes profissionais e empresários, estimulando-os a serem discípulos missionários em sua atuação profissional. 3-Promover a formação para uma autêntica espiritualidade do mundo do trabalho, na efetivação do progresso terreno e no desenvolvimento do Reino de Deus. 4-Animar e manifestar nossa solidariedade aos trabalhadores na conquista e preservação de seus direitos. 5- Incentivar os cristãos leigos a participarem dos sindicatos e outras organizações e a se articularem em vista de avanços nas políticas públicas em prol do bem comum. 6- acolher os trabalhadores em nossas comunidades. 7- apoiar e participar de iniciativas de combate ao trabalho escravo.
O MUNDO DA CULTURA E DA EDUCAÇÃO
As Dioceses e Paróquias se esforcem para:
1-criar círculos de partilha e reflexão entre os diversos campos do saber e da ciência, estimulando-os a serem aí discípulos missionários. 2- Implantar a Pastoral da Cultura e divulgar a importância do “Átro dos Gentios” que é o espaço do encontro entre crentes e não crentes em torno do tema Deus. 3- Animar os comunicadores e os formadores de opinião a manifestarem os valores do Reino através dos meios de comunicação. 4-Incentivar e apoiar os cristãos leigos para que, nos diferentes campos das artes e da cultura popular, apontem para o sentido da vida e da sua transcendência para a obra evangelizadora.
É urgente que a Pastoral da Educação e a Pastoral Universitária se tornem viva expressão nas paróquias e dioceses.
PASTORAL DA COMUNICAÇÃO
Todos nós na Igreja precisamos ser conscientizados a respeito da necessidade, prioridade e urgência da comunicação em todos os seus níveis. Aquilo que não é comunicado, não é conhecido. As Boas Obras sejam comunicadas para a glória do Pai, o bem da sociedade, a divulgação do Evangelho e para o bom exemplo, incentivo e alegria de todos. Daí a necessidade das Paróquias e Dioceses implantarem a Pastoral da Comunicação.
O CUIDADO COM A NOSSA CASA COMUM
Pela nossa realidade corpórea, Deus nos uniu tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação. Por isso os cristãos leigos devem assumir com coragem a busca de uma comunhão com a criação, a defesa da água, do clima, das florestas e dos mares, como bens públicos a serviço de todas as criaturas.
INDICATIVOS E ENCAMINHAMENTOS DE AÇÕES PASTORAIS
Neste tópico queremos retomar indicativos e propor encaminhamentos para as Dioceses, Paróquias e outros organismos da Igreja:
1-Despertar os cristãos leigos para a sua vocação espiritualidade e missão que brotam do batismo; 2- convocar os cristãos leigos para as assembleias paroquiais, diocesanas e regionais e nacionais da CNBB. Incentivá-los e efetivá-los nos Conselhos de Pastoral , econômico, missionário e outros; 3- Divulgar o esforço da CNBB na realização as assembleias das Igrejas e encontros dos organismos eclesiais; 4- Reconhecer a dignidade da mulher e sua indispensável contribuição para a Igreja e a sociedade, ampliando sua presença nos conselhos eclesiais; 5- incentivar os cristãos leigos na participação social e política; 6-aprofundar a questão dos ministérios leigos, estimulando a criação de novos; 7 apoiar ou implantar a Pastoral familiar para que esteja atenta às famílias vulneráveis e fragilizadas, assim como às novas formas de convivência familiar; 8- Criar ou fortalecer as Pastorais Sociais, em espírito missionário e que lutem por políticas públicas e de inclusão social; 9-incentivar a juventude a participar nas instâncias decisórias da Igreja e da sociedade;10- cuidar para que as pessoas idosas sejam atendidas pastoralmente e tenham espaço e condições de participar das atividades da Igreja; 11-incentivar os cristãos, leigos , bem como os ministros ordenados, a que, inseridos numa sociedade pluralista do ponto de vista cultural e religioso, vivenciem e construam caminhos de diálogo ecumênico e inter-religioso, de cooperação com o diferente e com as novas culturas.
COMPROMISSOS
Antes de concluir este documento, queremos incentivar nossas comunidades a assumirem estes compromissos:
1-Envolver todos os cristãos na reflexão e aplicação deste documento. 2-Celebrar o dia dos Cristãos Leigos na solenidade de Cristo Rei, a cada ano. 3- Estimular que no decorrer do mês de novembro haja ampla discussão sobre a vocação dos leigos cristãos na Igreja e na Sociedade 4-Celebrar o dia 1º de maio – São José Operário –como valorização do trabalho e denuncia de tudo o que contradiz a dignidade do trabalhador. 5- Recuperar e divulgar os cristãos leigos mártires e daqueles que viveram o seu compromisso batismal no cotidiano da vida e se tornaram ou são referências. 6- Criar ou fortalecer os Conselhos Regionais e Diocesanos de Leigos. 7- Fortalecer e ampliar o diálogo e o trabalho junto às diferentes formas de expressão do laicato. 8- Realizar o Ano do Laicato, que terá como eixo central a presença e a atuação dos cristãos leigos como ramos, sal, luz e fermento na Igreja e na Sociedade.
CONCLUSÃO
Incentivamos os irmãos leigos a acreditarem na própria vocação, como sujeitos de uma missão específica. Reconhecemos o direito e a autonomia das diferentes formas de organização e articulação do laicato expressos nos documentos do Vaticano II. Conclamamos, de modo especial, os irmãos e irmãs religiosos e religiosas e a todos os consagrados e consagradas, que buscam viver na alergia seus votos de castidade, pobreza e obediência, a manter viva, também nos irmãos leigos e leigas, a consciência do valor das coisas que passam, sem descuidar dos bens que não passam. Pedimos aos irmãos diáconos permanentes que, em sua maioria, vivem a realidade do matrimônio e do trabalho, que se dediquem a todos os cristãos leigos e leigas e às famílias, motivados pela graça de terem recebido os sacramentos do Matrimônio e da Ordem. Incentivamos e encorajamos os irmãos presbíteros, indispensáveis colaboradores dos bispos, a serem cada vez mais amigos dos irmãos leigos e leigas. Como bispos nos propomos a acolher cada vez mais com coração fraterno a todos os cristãos leigos e leigas, valorizando sua atuação na Igreja e no mundo, ouvindo suas opiniões e sugestões, confiando-lhes responsabilidades e ministérios.
Pedimos a Maria, mãe da Igreja, cheia de fé e de graça, totalmente consagrada ao Senhor, exemplo de mulher solícita e laboriosa, que acompanhe a todos os leigos e leigas, seus filhos e filhas, em cada dia da vida. Sob sua maternal proteção ecoem em nossos corações as suas palavras: “Fazei tudo o que ele vos disser” (João 2,5).
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