Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo
O Dia Mundial das Comunicações Sociais é promovido desde o Concílio
Vaticano II, após publicação do Decreto Inter Mirifica, de 1963, sobre os meios
de comunicação. Em 7 de maio de 1967, a data foi celebrada pela primeira vez.
Neste ano, o evento acontece no dia 08 de maio por ocasião da
Solenidade da Ascensão do Senhor.
A escolha do tema deste ano, foi certamente determinada pelo Jubileu
extraordinário da Misericórdia e sem dúvida, o Santo Padre almejou que o Dia
Mundial das Comunicações Sociais, oferecesse uma ocasião propícia para refletir
sobre as sinergias profundas entre comunicação e misericórdia.
Na Bula de proclamação do Ano Jubilar, no número 12, o Papa afirma que:
“ a Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do
Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa ”
e, no mesmo número, o Papa acrescenta: “ A sua linguagem e os seus gestos, para
penetrarem no coração das pessoas e desafiá-las a encontrar novamente a estrada
para regressar ao Pai, devem irradiar misericórdia”.
É oportuno recordar, a este propósito, que nos situamos no contexto de
uma comunicação que é lugar privilegiado para a promoção da cultura do
encontro.
O Papa nesta ocasião se refere à linguagem e aos gestos da Igreja, mas
na perspectiva indicada, cada homem e mulher de hoje, na própria comunicação,
no ir ao encontro do outro ou da outra, devem ser animados por uma profunda
dimensão de acolhimento, de disponibilidade, de perdão.
O Tema evidencia que uma boa comunicação pode abrir um espaço para o
diálogo, para uma compreensão recípocra e a reconciliação, permitindo que desta
maneira brotem encontros humanos fecundos. Em um momento no qual nossa atenção,
tantas vezes se volta a natureza centralizada e arbitraria dos múltiplos
comentários das mídias sociais, este tema quer concentrar-se sobre o poder das
palavras e dos gestos, para superar as incompreenções, para curar as memórias,
para construir a paz e a harmonia.
Outra vez, Papa Francisco, ajuda a descobrir que no coração da
comunicação existe, antes de tudo, uma profunda dimensão humana. Comunicação
que não é somente uma “atual ou moderna tecnologia, mas uma profunda relação
interpessoal.
O Dia Mundial das Comunicações Sociais, único dia estabelecido pelo
Concílio Vaticano II (Inter Mirifica, 1963) vem celebrado em muitos países, sob
a recomendação dos bispos do mundo, no Domingo que precede a Festa de
Pentecostes (em 2016, será 8 de maio).
A Mensagem do Papa para o Dia Mundial das Comunicações Sociais
foi, como tradicionalmente,
publicada na ocasião da Festa de
São Francisco de Sales, patrono dos jornalistas (24 de janeiro).
Mensagem do
50º Dia Mundial das Comunicações Sociais-8 de Maio de 2016
«Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo»
Queridos irmãos e irmãs!
O Ano Santo da Misericórdia
convida-nos a refletir sobre a relação entre a comunicação e a misericórdia.
Com efeito a Igreja unida a Cristo, encarnação viva de Deus Misericordioso, é
chamada a viver a misericórdia como traço característico de todo o seu ser e
agir. Aquilo que dizemos e o modo como o dizemos, cada palavra e cada gesto
deveria poder expressar a compaixão, a ternura e o perdão de Deus para todos. O
amor, por sua natureza, é comunicação: leva a abrir-se, não se isolando. E, se
o nosso coração e os nossos gestos forem animados pela caridade, pelo amor
divino, a nossa comunicação será portadora da força de Deus.
Como filhos de Deus, somos chamados
a comunicar com todos, sem exclusão. Particularmente próprio da linguagem e das
ações da Igreja é transmitir misericórdia, para tocar o coração das pessoas e
sustentá-las no caminho rumo à plenitude daquela vida que Jesus Cristo, enviado
pelo Pai, veio trazer a todos. Trata-se de acolher em nós mesmos e irradiar ao
nosso redor o calor materno da Igreja, para que Jesus seja conhecido e amado;
aquele calor que dá substância às palavras da fé e acende, na pregação e no
testemunho, a «centelha» que os vivifica.
A comunicação tem o poder de criar
pontes, favorecer o encontro e a inclusão, enriquecendo assim a sociedade. Como
é bom ver pessoas esforçando-se por escolher cuidadosamente palavras e gestos
para superar as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e
harmonia. As palavras podem construir pontes entre as pessoas, as famílias, os
grupos sociais, os povos. E isto acontece tanto no ambiente físico como no
digital. Assim, palavras e ações hão de ser tais que nos ajudem a sair dos
círculos viciosos de condenações e vinganças que mantêm prisioneiros os
indivíduos e as nações, expressando-se através de mensagens de ódio. Ao
contrário, a palavra do cristão visa fazer crescer a comunhão e, mesmo quando
deve com firmeza condenar o mal, procura não romper jamais o relacionamento e a
comunicação.
Por isso, queria convidar todas as
pessoas de boa vontade a redescobrirem o poder que a misericórdia tem de curar
as relações dilaceradas e restaurar a paz e a harmonia entre as famílias e nas
comunidades. Todos nós sabemos como velhas feridas e prolongados ressentimentos
podem aprisionar as pessoas, impedindo-as de comunicar e reconciliar-se. E isto
aplica-se também às relações entre os povos. Em todos estes casos, a
misericórdia é capaz de implementar um novo modo de falar e dialogar, como se
exprimiu muito eloquentemente Shakespeare: «A misericórdia não é uma obrigação.
Desce do céu como o refrigério da chuva sobre a terra. É uma dupla bênção:
abençoa quem a dá e quem a recebe» (O mercador de Veneza, Acto IV, Cena I).
É desejável que também a linguagem
da política e da diplomacia se deixe inspirar pela misericórdia, que nunca dá
nada por perdido. Faço apelo sobretudo àqueles que têm responsabilidades
institucionais, políticas e de formação da opinião pública, para que estejam
sempre vigilantes sobre o modo como se exprimem a respeito de quem pensa ou age
de forma diferente e ainda de quem possa ter errado. É fácil ceder à tentação
de explorar tais situações e, assim, alimentar as chamas da desconfiança, do
medo, do ódio. Pelo contrário, é preciso coragem para orientar as pessoas em
direcção a processos de reconciliação, mas é precisamente tal audácia positiva
e criativa que oferece verdadeiras soluções para conflitos antigos e a
oportunidade de realizar uma paz duradoura. «Felizes os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia. (…) Felizes os pacificadores, porque serão chamados
filhos de Deus» (Mt 5, 7.9).
Como gostaria que o nosso modo de
comunicar e também o nosso serviço de pastores na Igreja nunca expressassem o orgulho
soberbo do triunfo sobre um inimigo, nem humilhassem aqueles que a mentalidade
do mundo considera perdedores e descartáveis! A misericórdia pode ajudar a
mitigar as adversidades da vida e dar calor a quantos têm conhecido apenas a
frieza do julgamento. Seja o estilo da nossa comunicação capaz de superar a
lógica que separa nitidamente os pecadores dos justos. Podemos e devemos julgar
situações de pecado – violência, corrupção, exploração, etc. –, mas não podemos
julgar as pessoas, porque só Deus pode ler profundamente no coração delas. É
nosso dever admoestar quem erra, denunciando a maldade e a injustiça de certos
comportamentos, a fim de libertar as vítimas e levantar quem caiu. O Evangelho
de João lembra-nos que «a verdade [nos] tornará livres» (Jo 8, 32). Em última
análise, esta verdade é o próprio Cristo, cuja misericórdia repassada de
mansidão constitui a medida do nosso modo de anunciar a verdade e condenar a
injustiça. É nosso dever principal afirmar a verdade com amor (cf. Ef 4, 15).
Só palavras pronunciadas com amor e acompanhadas por mansidão e misericórdia
tocam os nossos corações de pecadores. Palavras e gestos duros ou moralistas
correm o risco de alienar ainda mais aqueles que queríamos levar à conversão e
à liberdade, reforçando o seu sentido de negação e defesa.
Alguns pensam que uma visão da
sociedade enraizada na misericórdia seja injustificadamente idealista ou
excessivamente indulgente. Mas tentemos voltar com o pensamento às nossas
primeiras experiências de relação no seio da família. Os pais amavam-nos e
apreciavam-nos mais pelo que somos do que pelas nossas capacidades e os nossos
sucessos. Naturalmente os pais querem o melhor para os seus filhos, mas o seu
amor nunca esteve condicionado à obtenção dos objetivos. A casa paterna é o
lugar onde sempre és bem-vindo (cf. Lc 15, 11-32). Gostaria de encorajar a
todos a pensar a sociedade humana não como um espaço onde estranhos competem e
procuram prevalecer, mas antes como uma casa ou uma família onde a porta está
sempre aberta e se procura aceitar uns aos outros.
Para isso é fundamental escutar.
Comunicar significa partilhar, e a partilha exige a escuta, o acolhimento.
Escutar é muito mais do que ouvir. Ouvir diz respeito ao âmbito da informação;
escutar, ao invés, refere-se ao âmbito da comunicação e requer a proximidade. A
escuta permite-nos assumir a atitude justa, saindo da tranquila condição de
espectadores, usuários, consumidores. Escutar significa também ser capaz de
compartilhar questões e dúvidas, caminhar lado a lado, libertar-se de qualquer
presunção de omnipotência e colocar, humildemente, as próprias capacidades e
dons ao serviço do bem comum.
Escutar nunca é fácil. Às vezes é
mais cômodo fingir-se de surdo. Escutar significa prestar atenção, ter desejo
de compreender, dar valor, respeitar, guardar a palavra alheia. Na escuta,
consuma-se uma espécie de martírio, um sacrifício de nós mesmos em que se
renova o gesto sacro realizado por Moisés diante da sarça-ardente: descalçar as
sandálias na «terra santa» do encontro com o outro que me fala (cf. Ex 3, 5).
Saber escutar é uma graça imensa, é um dom que é preciso implorar e depois
exercitar-se a praticá-lo.
Também e-mails, sms, redes sociais,
chat podem ser formas de comunicação plenamente humanas. Não é a tecnologia que
determina se a comunicação é autêntica ou não, mas o coração do homem e a sua
capacidade de fazer bom uso dos meios ao seu dispor. As redes sociais são
capazes de favorecer as relações e promover o bem da sociedade, mas podem
também levar a uma maior polarização e divisão entre as pessoas e os grupos. O
ambiente digital é uma praça, um lugar de encontro, onde é possível acariciar
ou ferir, realizar uma discussão proveitosa ou um linchamento moral. Rezo para
que o Ano Jubilar, vivido na misericórdia, «nos torne mais abertos ao diálogo,
para melhor nos conhecermos e compreendermos; elimine todas as formas de
fechamento e desprezo e expulse todas as formas de violência e discriminação»
(Misericordiae Vultus, 23). Em rede, também se constrói uma verdadeira cidadania.
O acesso às redes digitais implica uma responsabilidade pelo outro, que não
vemos mas é real, tem a sua dignidade que deve ser respeitada. A rede pode ser
bem utilizada para fazer crescer uma sociedade sadia e aberta à partilha.
A comunicação, os seus lugares e os
seus instrumentos permitiram um alargamento de horizontes para muitas pessoas.
Isto é um dom de Deus, e também uma grande responsabilidade. Gosto de definir
este poder da comunicação como «proximidade». O encontro entre a comunicação e
a misericórdia é fecundo na medida em que gerar uma proximidade que cuida,
conforta, cura, acompanha e faz festa. Num mundo dividido, fragmentado,
polarizado, comunicar com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e
solidária proximidade entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade.
Vaticano, 24 de Janeiro de 2016.
Francisco
Fonte: www.news.va
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