“Entre vós não deve ser assim” (Mc 10,43).
A Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida em sua 53ª Assembleia Geral, em
Aparecida-SP, no período de 15
a 24 de abril de 2015, avaliou, com apreensão, a
realidade brasileira, marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça as
conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem
democrática do País. Desta avaliação nasce nossa palavra de pastores convictos
de que “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião para a intimidade
secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos
preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar
sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).
O momento não é de
acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas ou de ódio que
desconsiderem a política como defesa e promoção do bem comum. Os três poderes
da República, com a autonomia que lhes é própria, têm o dever irrenunciável do
diálogo aberto, franco, verdadeiro, na busca de uma solução que devolva aos
brasileiros a certeza de superação da crise.
A retomada de crescimento
do País, uma das condições para vencer a crise, precisa ser feita sem trazer
prejuízo à população, aos trabalhadores e, principalmente, aos mais pobres.
Projetos, como os que são implantados na Amazônia, afrontam sua população, por
não ouvi-la e por favorecer o desmatamento e a degradação do meio ambiente.
A lei que permite a
terceirização do trabalho, em tramitação no Congresso Nacional, não pode, em
hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a
preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a
superação da crise.
A corrupção, praga da
sociedade e pecado grave que brada aos céus (cf. Papa Francisco – O Rosto da
Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em
instituições da sociedade. Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente
punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar
uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão. Só assim
se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a
esperança de novos tempos, calcados na ética.
A credibilidade política,
perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte
dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação
de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis. Lamentamos que no Congresso
se formem bancadas que reforçem o corporativismo para defender interesses de
segmentos que se opõem aos direitos e conquistas sociais já adquiridos pelos
mais pobres.
A Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 215/2000, por exemplo, é uma afronta à luta histórica dos
povos indígenas que até hoje não receberam reparação das injustiças que
sofreram desde a colonização do Brasil. Se o prazo estabelecido pela
Constituição de 1988 tivesse sido cumprido pelo Governo Federal, todas as
terras indígenas já teriam sido reconhecidas, demarcadas e homologadas. E,
assim, não estaríamos assistindo aos constantes conflitos e mortes de
indígenas.
A PEC 171/1993, que
propõe a redução da maioridade penal para 16 anos, já aprovada pela Comissão de
Constituição, Cidadania e Justiça da Câmara, também é um equívoco que precisa
ser desfeito. A redução da maioridade penal não é solução para a violência que
grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a
quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em
políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar
os adolescentes da delinquência e da violência.
O Estatuto da Criança e
do Adolescente, em vigor há 25 anos, responsabiliza o adolescente, a partir dos
12 anos, por qualquer ato contra a lei, aplicando-lhe as medidas
socioeducativas. Não procede, portanto, a alegada impunidade para adolescentes
infratores. Onde essas medidas são corretamente aplicadas, o índice de
reincidência do adolescente infrator é muito baixo. Ao invés de aprovarem a
redução da maioridade penal, os parlamentares deveriam criar mecanismos que
responsabilizem os gestores por não aparelharem seu governo para a correta
aplicação das medidas socioeducativas.
O Projeto de Lei
3722/2012, que altera o Estatuto do Desarmamento, é outra matéria que vai na
contramão da segurança e do combate à violência. A arma dá a falsa sensação de
segurança e de proteção. Não podemos cair na ilusão de que, facilitando o
acesso da população à posse de armas, combateremos a violência. A indústria das
armas está a serviço de um vigoroso poder econômico que não pode ser alimentado
à custa da vida das pessoas. Dizer não a esse poder econômico é dever ético dos
responsáveis pela preservação do Estatuto do Desarmamento.
Muitas destas e de outras
matérias que incidem diretamente na vida do povo têm, entre seus caminhos de
solução, uma Reforma Política que atinja as entranhas do sistema político
brasileiro. Apartidária, a proposta da Coalizão pela Reforma Política
Democrática e Eleições Limpas, da qual a CNBB é signatária, se coloca nessa
direção.
Urge, além disso, resgatar
a ética pública que diz respeito “à responsabilização do cidadão, dos grupos ou
instituições da sociedade pelo bem comum” (CNBB – Doc. 50, n. 129). Para tanto,
“como pastores, reafirmamos ‘Cristo, medida de nossa conduta moral’ e sentido
pleno de nossa vida” (Doc. 50 da CNBB, Anexo – p. 30).
Que o povo brasileiro,
neste Ano da Paz e sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do
Brasil, supere esse momento difícil e persevere no caminho da justiça e da paz.
Aparecida, 21 de abril de
2015.
Cardeal Raymundo
Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB
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Dom José Belisário da
Silva, OFM
Arcebispo de São Luís
do Maranhão
Vice Presidente da CNBB
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Dom Leonardo Ulrich
Steiner
Bispo Auxiliar de
Brasília
Secretário Geral da
CNBB
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