Prepare-se para ouvir a triste história de Jucilene Barbosa (Juci),
publicada em reportagem da revista Família Cristã, pelos jornalistas Karla Maria, Osnilda Lima, fsp, e Filipe Domingues.
Ao ouvi-la, pense nas causas de toda esta situação por parte de quem é
traficante de pessoas e da parte de quem é traficada.
Aliciamento
Ela tinha 27 anos quando o
aliciador a convidou para trabalhar em Roma. Surgiu na porta de sua escola onde
cursava o Técnico em Enfermagem. A promessa era de trabalhar no exterior,
aprender o idioma e crescer profissionalmente. A proposta parecia conveniente,
mas a rapidez na liberação do passaporte para a viagem internacional já
apresentava indícios de irregularidade.
Tráfico
Cerca de 30 dias depois do
convite, Juci embarcou e aterrissou em um pesadelo. “Quando chegamos ao
apartamento em Roma, abriu a porta, entramos e ele a trancou. Estávamos
sozinhos em um quarto escuro e abandonado, quando me virei, ele segurava um
revólver. Pegou meu passaporte, me espancou, me estuprou.”
Começava o trabalho escravo de
Jucilene.
Escravidão como garotas de programa
Por cerca de três meses, foi
abusada sexualmente por seu aliciador, e à noite, era negociada com outras
meninas, nos “clubes” de Roma.
“Eu vi meninas morrendo e outras
chegando. Não me esqueço de uma menina, Sandra Oliveira, que morreu nos meus
braços. Ela era de Curitiba (PR). Peguei no pulso dela e estava muito fraco,
ela estava tendo overdose, só pediu que eu dissesse aos pais dela que só queria
ser modelo. Esses pais devem a ter procurado tanto. Ela era bem branquinha,
tinha uma mão macia e uma tatuagem, que parecia uma estrela”, conta Jucilene.
O aliciador conhecia bem a vida
de Jucilene, sabia de suas memórias, da morte de sua mãe quando ainda era
criança, que sonhava em entrar na faculdade, que tinha sido explorada
sexualmente por um parente próximo, dos 10 aos 18 anos, quando enfim o
denunciou. “Ele sabia toda a minha história. Ele queria me enlouquecer. Foi
alguém muito próximo quem montou meu dossiê para ele”, conta a jovem, que
acredita ter sido vendida por quem a abusou na infância.”
Fuga e acolhimento
A tortura de Jucilene prosseguiu
até o dia em que conseguiu fugir, o modo não se sabe bem ao certo, já que
Jucilene deu versões distintas, em diferentes momentos, devido sua saúde
psicológica que ficara abalada pelo drama vivido. À reportagem contou que
conseguiu abrir a mala de seu aliciador, enquanto ele dormia, e ali encontrou
as chaves do apartamento. “Quando abriu
- o cadeado da mala continha um segredo -, eu pensei esse é o momento.
Ele estava roncando, então peguei duas chaves, uns documentos em italiano,
minhas fotos nuas, tiradas por ele. Peguei o cartão (continha o nome do clube
onde era explorada), e a mala. Abri a porta e fui descendo. E saí”, disse.
“Vi a Rua Pellegrino (Via del
Pellegrino). Meu olho turvava, passou o trem, tinha uma pontezinha, um rio e
ali, pensei em me jogar, acabar com aquele sofrimento de uma vez, mas resolvi
procurar ajuda”, conta Juci.
Depoimento do sacerdote que a acolheu
Remontando seu trajeto,
observa-se que Jucilene escapou do cativeiro na Via del Pellegrino, uma região
movimentada de Roma, de lá teria caminhado por cerca de dez minutos até o Largo
di Torre Argentina. É, possivelmente, nesta região que ela viu o trem antes de
atravessar a ponte. Padre Oscar acredita que para ter chegado até ele, no
bairro de Trastevere, ela deve ter pego informações na embaixada brasileira,
que fica na Piazza Navona, e depois na Igreja Santo Antonio dos Portugueses,
onde se reúne a comunidade portuguesa. Esse trajeto para uma pessoa em
condições físicas normais levaria cerca de 20 minutos, mas Juci estava muito
debilitada.
Da igreja Santo Antonio, na Via
del Portoghesi até a Igreja Santa Maria
della Luce, no bairro de Trastevere, seriam mais 20 minutos. “Quando ela
apareceu na igreja tinha um chinelinho, mas não uma havaiana, um chinelo de
mulher, de casa... um jeans, me lembro bem, sujo. Ela tinha uma camiseta, uma
blusa com listras, me lembro mais ou menos”, conta o padre Scalabriniano Oscar,
que trabalhou na igreja de Trastevere de 2000 a 2007. A reportagem encontrou padre Oscar na
Suíça.
Conta padre Oscar que a socorreu:
“Era março. Ela estava sentada no fundo da igreja. No princípio pensei que ela
estava passando mal. Comeu pouco conosco, não comeu muito, e estava muito
cansada”, disse o padre, que contou com a ajuda de uma voluntária naquela noite
para acolher e cuidar de Jucilene. “A igreja não tinha estrutura, não tinha
como dar assistência à mulher. Eu sempre digo que Deus tem sempre resposta para
todos”, afirma o padre.
Dali para frente, através de uma
rede de contatos, Jucilene chegou à casa de uma família italiana. “Nós fazíamos
todo um trabalho de encaminhar pessoas, de falar com elas, arriscávamos
enviando pessoas sem saber quem eram. Arrisquei muito meu nome, a igreja, a
congregação, porque encaminhava essas pessoas sem pensar que elas podiam nos
colocar em problemas, como tive problemas”, conta o padre.
“Acho que ela foi encaminhada a
uma dessas famílias, só que eu não tenho mais informações. Ela estava caída
quando chegou e depois eu a vi bem, muito bem mesmo. Bem apresentável, bem
limpa. Um olhar de vida, isso me lembro bem”, revela o padre.
Acolhimento de uma família
Jucilene se lembra com carinho da
família italiana que a acolheu, eram Franco e Rosella Belmonte, com quem viveu
nos bairros de Frascati e Bracciano.
“Eles me deram um quarto, roupas,
livros, cuidaram de mim e de minha saúde”, conta Jucilene, que foi internada
três vezes.
Denúncia do aliciador
“Os pais adotivos” a levaram até
o Convento della Consolata, em Nepi, onde Jucilene conheceu a irmã Adriana,
cujo sobrenome não recorda. A religiosa a convenceu a denunciar seu aliciador e
a acompanhou no depoimento e na realização do exame de corpo delito.
Jucilene denunciou e um processo
foi instaurado em 2005. Documento da Procuradoria da República do Tribunal de
Tivori aponta que o aliciador induziu Jucilene à prostituição, que ela foi
forçada a ter relações sexuais com homens e mulheres.
O aliciador chegou a ser preso,
mas o processo ficou sem conclusão porque aguardava o depoimento de Jucilene.
Segundo a jovem foi informada, seria convocada a prestar depoimento por
videoconferência em 2013, o que não correu.
Retorno ao Brasil
À época, o vice-cônsul brasileiro na Itália, Rodrigo Roberto
Outeiro de Azevedo Lima, ofereceu ajuda para que Jucilene voltasse ao Brasil,
ela aceitou e retornou em 2006. Neste momento, conta com advogados do Estado
para que a justiça seja feita. Sem proteção, prefere não dizer onde reside, já
que teme retaliações do parente que a violentou durante sua infância e
adolescência.
Fonte: Revista Família Cristã, janeiro 2014.
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vendidas (CF 2014)
(trecho da reportagem da Revista Família Cristã)
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