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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Chimarrão com Francisco e uma reflexão sobre a misericórdia


A humanidade órfã tem um pai em Francisco. Seu apelo à misericórdia para com os pobres, os marginalizados, os sofredores e os homossexuais não responde apenas a uma atitude superficial, mas é profundamente cristã. É dessa maneira que pensa Javier Klajner, padre de Buenos Aires e responsável pela Pastoral da Juventude nessa cidade. Em entrevista explicou, entre outras coisas, o sentido do apelo do Papa para que “arrumem confusão” ("hacer lío").
Na quarta-feira, dia 22, Klajner surpreendeu o pontífice na Praça São Pedro com um mate. Ao ver a térmica e a erva os guardas vaticanos se alarmaram, mas depois compreenderam o gesto. Francisco tomou aquele mate, numa manhã fria e chuvosa. Um dia depois, o sacerdote concelebrou com o pontífice na Capela da Casa Santa Marta e depois falou com o Vatican Insider.
A entrevista é de Andrés Beltramo Álvarez e publicada no sítio Vatican Insider, 24-01-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.

Como responsável pela Pastoral da Juventude em Buenos Aires você não apenas trabalhou bem perto de Bergoglio, mas também conhece bem o seu pensamento.  A que ele se refere quando pede que “arrumem confusão”?
Ele sempre usou estas frases. Como aquela de “não balconear a vida” ('no balconeen la vida'), ou seja, não olhar a própria existência da sacada, sem se envolver. Em seus neologismos, os “bergoglismos”, ele procurar destacar fazer com que uma frase fique muito mais profunda. Não se trata da “confusão” da revolução, mas de buscar uma mudança nas coisas. Por isso, no Brasil, quando pronunciou esta frase, pediu que os bispos o perdoassem. Lembro também outra frase forte dele: “quando não podem controlar tudo, somente então o Espírito Santo se faz presente”. Em suma, é como dizer: “Caso puderes controlar tudo, as coisas são tuas e não de Deus, mas quando não podes controlar é Deus quem esta agindo”. Neste fazer “confusão” o Papa convida para tentar, para não desanimar, para insistir, para não ter medo de servir.

O que mais te surpreendeu nele desde que é Papa?
Tudo e nada ao mesmo tempo, porque segue sendo o mesmo. Minha sensação mais profunda é que vivemos numa cultura órfã que hoje tem um pai no Papa. A isto se soma outro desejo de Bergoglio, o de uma Igreja que seja mãe. Por isso pede à Igreja para que exista um espaço de maternidade onde se expresse a figura terna de Maria, em uma dupla dimensão que inclui a firmeza de Pedro.
Antes de ser eleito ele já havia apresentado sua renúncia como arcebispo, havia preparado um quarto na Casa Sacerdotal para onde se mudaria; era o número 13. Talvez por isso estava um pouco cansado. Mas agora parece que está revitalizado, rejuvenescido, sem esquecer que se trata de um homem de 77 anos.

Até onde acredita que pode ir?
Essa é uma pergunta a ser feita para ele. Posso dizer que nele está muito marcado o espírito inaciano, é um homem de oração profunda e sempre com uma palavra justa. Tem muito marcado o discernimento, buscou conselho e já está marcando o rumo para onde quer que a Igreja vá, por exemplo, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que deve ser lida junto com outros documentos importantes que dão continuidade ao magistério da Igreja.

Mas existe também certo temor (e não poucas turbulências), porque alguns o consideram o Papa da ruptura, não tão ligado à tradição da Igreja.
Ele sempre pediu para dialogar a partir da verdade; mas se alguém não escuta, como pode falar ao mundo moderno? 
Para escutar é preciso silêncio, reflexão e descobrir o que está acontecendo. É um homem de muita contemplação, mas também de ação. Nele se vê uma profunda continuidade com Bento XVI que, em alguns campos, foi muito mais “revolucionário” do que Francisco, embora se trate de dois modos diferentes: no diálogo ecumênico, na intolerância com a pederastia, em colocar em ordem as finanças do Vaticano. Às vezes, as pessoas olham o que querem ver. Por exemplo, no avião do Brasil para Roma disse aos jornalistas que ele não julgava (os gays), mas esclareceu que existe um ensinamento da Igreja a este respeito.

Essa frase sobre os homossexuais foi muito comentada, mas não foi casual que o Papa a pronunciasse, não?
Lembro que a grande crítica a Jesus foi porque estava com os pecadores e não porque estava com os santinhos. Qual é o modo para que as pessoas distantes possam aproximar-se deste encontro com Jesus Cristo? Ele pede à Igreja para que seja um “hospital de campanha”, onde prime a misericórdia. Trata-se de voltar a olhar o Evangelho, voltar à raiz profunda em um contexto cultural diferente onde uma coisa é o acompanhamento e outra coisa é dizer que isto está bem. Nunca disse e nunca o dirá, é objetivo.
Devemos pensar numa mãe com vários filhos. Se um deles é criminoso ou está na droga ela vai querê-lo do mesmo jeito. Inclusive vai cuidar mais, o acompanhará e cuidará dele. Ela pode te dizer: “ele é quem mais precisa de amor”. Não se trata de uma questão de formas exteriores, é uma atitude de coração. Quem mais necessita de cuidado não tem vez, o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. Que mãe vai estar de acordo em que seu filho roube? Não está de acordo, mas isso não impede que o ame. O Evangelho abre e convida para um salto de qualidade, a ser melhor.

Fonte: http://vaticaninsider.lastampa.it/ 

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