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segunda-feira, 11 de março de 2013

A Igreja necessita de um bom papa


“A Igreja necessita de um bom papa. Necessita de um homem tão apaixonado pelo Evangelho, que desconcerte todos aqueles que buscam no papa um homem de poder e comando. O papa deve ser desconcertante, assim como Jesus desconcertou os seus próprios seguidores. Porque falou e viveu de tal forma que os profissionais da religião o enfrentaram, ao mesmo tempo em que os pobres e os excluídos deste mundo iam ao seu encontro e encontravam nele a acolhida que necessitavam. No dia em que o Vaticano for o “ponto de encontro” de todos os que sofrem, a Igreja terá encontrado o bom papa que necessita.” 

A análise que segue é do teólogo espanhol José María Castillo, em seu blog Teología sin Censura, 07-03-2013. A tradução é do Cepat.


        Bento XVI, sobretudo com sua renúncia ao papado, deixou evidente que é um homem bom. E que sofreu no exercício deste cargo, mais do que certamente suspeitamos. Em todo caso, a decisão da sua renúncia representa um precedente que pode ser decisivo para o futuro do papado. Não apenas pelo exemplo que J. Ratzinger nos deixa, mas porque já não é impensável que, num futuro não muito distante, o papado deixe de ser um cargo vitalício. Se todos os bispos do mundo, com certa idade, têm que apresentar sua renúncia, por que o bispo de Roma não?
        Mas o que importa, nestes dias de preparação ao  conclave, é pensar e propor questões que vão diretamente ao fundo do problema que a Igreja hoje tem que enfrentar. E esse problema não é outro senão a enorme demora que esta Igreja tem para responder, o que uma instituição religiosa de âmbito mundial teria que fazer, aos problemas urgentes que tanto nos incomodam. Com frequência me pergunto como se explica que, quando se destampou a corrupção mais massiva e perigosa dos últimos tempos, justamente agora os responsáveis pelo governo da Igreja não dizem sequer uma palavra (exceto uma ou outra alusão genérica ao quanto as coisas estão ruins) sobre uma situação em que calar é tornar-se cúmplice do que está acontecendo. É o que, sem dúvida, muitas pessoas pensaram. Até que se soube uma das chaves deste estranho silêncio eclesiástico.
Se a corrupção entrou de cheio até na própria casa do papa, como podemos estranhar que o Pontífice ancião se sinta já sem forças para continuar aguentando? E, sobretudo, de que nos queixamos quando vemos que todos os que sabem algo sobre o assunto se calam como mortos? Seria preciso estar cego para não se dar conta de que o fundo da questão está em que a instituição eclesiástica é parte do problema. Porque com sua ausência e seu silêncio está “legitimando” o sistema de corrupção e de injustiças que nos oprime.
O Vaticano não é uma ilha na Europa. Nem no mundo. Por isso, quando tanta gente de boa vontade diz que a Igreja necessita de um bom papa, não se refere ao fato de que o novo Pontífice seja conservador ou progressista, de direita ou de esquerda. O que importa é que o novo papa seja um homem livre e decidido, que limpe o Vaticano de todos quantos, da maneira que for, estão buscando o triunfo de seu próprio grupo ou de sua própria seita, para serem eles os que pensam mandar na cúria. Um bom papa será aquele que for capaz de fazer primeiramente isto. Embora para isso seja necessário tirar de Roma indivíduos que se consideram intocáveis. Quando uma ferida está infectada, a ferida não se cura untando pomadas. A primeira coisa a ser feita é limpá-la. E depois curar o doente.
Suposto isto, o melhor papa que a Igreja necessita tem que ser um homem com lucidez e capacidade para dar-se conta de que, em assuntos da máxima importância, as religiões – entre elas a Igreja católica – seguem ainda estancadas e atoladas em medos, tradições e atrasos anteriores ao Iluminismo. Ou seja, que enquanto a sociedade e a cultura avançam a uma velocidade vertiginosa, as instituições que podem nos ajudar a nos colocar em contato com Deus já estão com um atraso de 200 anos. E nisto me refiro a um problema concreto e de assombrosa atualidade: a colocação em prática dos Direitos Humanos.
Não digo o elogio dos Direitos Humanos. Falo da sua prática dentro da própria Igreja. Enquanto não se atacar isso a sério, a Igreja será uma instituição antiquada e carente de atualidade e de interesse. Acontece que atacar isto é duro e difícil. Muito difícil. Porque, se a Igreja quer colocar em prática, nela mesma, os Direitos Humanos, a primeira coisa a ser feita é modificar, em coisas importantes, seu ordenamento jurídico, isto é, o Direito Canônico. O que exigiria modificar muitas coisas na organização da Igreja. Por exemplo, a igualdade de direitos entre homens e mulheres. E, portanto, o direito das mulheres a serem ordenadas sacerdotes ou a ocuparem cargos de governo na Igreja. E outro tanto teria que dizer sobre o debatido problema da ordenação sacerdotal de pessoas casadas.
Além disso, ao indicar estas questões, não estou tocando em nenhum assunto de fé. Os teólogos sabem muito bem disso. E, para ser claro, teriam que perder o medo. Na Igreja, por manter tradições que não pertencem à fé cristã, estão sendo violados direitos básicos dos fiéis na atenção sacramental e na devida instrução religiosa e, sobretudo, bíblica.
E para terminar, o papado, fiel ao que foi a tradição da Igreja durante mais de mil anos, teria que colocar a cúria num lugar e o Episcopado no seu. Jesus não fundou a cúria. Ele escolheu Doze Apóstolos, cujos sucessores (segundo a fé da Igreja) são os bispos. Mas hoje nos encontramos com a estranha contradição de que é a cúria, e não o Colégio Episcopal, quem toma as decisões, quem governa e quem decide o que fazer e o que não. É absurdo que, em assuntos de extrema gravidade, seja a cúria a que manda inclusive no papa.
A Igreja necessita de um bom papa. Necessita de um homem tão apaixonado pelo Evangelho, que desconcerte todos aqueles que buscam no papa um homem de poder e comando. O papa deve ser desconcertante, assim como Jesus desconcertou os seus próprios seguidores. Porque falou e viveu de tal forma que os profissionais da religião o enfrentaram, ao mesmo tempo em que os pobres e os excluídos deste mundo iam ao seu encontro e encontravam nele a acolhida que necessitavam. No dia em que o Vaticano for o “ponto de encontro” de todos os que sofrem, a Igreja terá encontrado o bom papa que necessita.

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