Páginas

sexta-feira, 7 de março de 2014

Vidas vendidas


Prepare-se para ouvir a triste história de Jucilene Barbosa (Juci), publicada em reportagem da revista Família Cristã, pelos jornalistas  Karla Maria, Osnilda Lima, fsp, e Filipe Domingues. Ao ouvi-la, pense nas causas de toda esta situação por parte de quem é traficante de pessoas e da parte de quem é traficada.

Aliciamento
Ela tinha 27 anos quando o aliciador a convidou para trabalhar em Roma. Surgiu na porta de sua escola onde cursava o Técnico em Enfermagem. A promessa era de trabalhar no exterior, aprender o idioma e crescer profissionalmente. A proposta parecia conveniente, mas a rapidez na liberação do passaporte para a viagem internacional já apresentava indícios de irregularidade.

Tráfico
Cerca de 30 dias depois do convite, Juci embarcou e aterrissou em um pesadelo. “Quando chegamos ao apartamento em Roma, abriu a porta, entramos e ele a trancou. Estávamos sozinhos em um quarto escuro e abandonado, quando me virei, ele segurava um revólver. Pegou meu passaporte, me espancou, me estuprou.”
Começava o trabalho escravo de Jucilene.

Escravidão como garotas de programa
Por cerca de três meses, foi abusada sexualmente por seu aliciador, e à noite, era negociada com outras meninas, nos “clubes” de Roma.
“Eu vi meninas morrendo e outras chegando. Não me esqueço de uma menina, Sandra Oliveira, que morreu nos meus braços. Ela era de Curitiba (PR). Peguei no pulso dela e estava muito fraco, ela estava tendo overdose, só pediu que eu dissesse aos pais dela que só queria ser modelo. Esses pais devem a ter procurado tanto. Ela era bem branquinha, tinha uma mão macia e uma tatuagem, que parecia uma estrela”, conta Jucilene.
O aliciador conhecia bem a vida de Jucilene, sabia de suas memórias, da morte de sua mãe quando ainda era criança, que sonhava em entrar na faculdade, que tinha sido explorada sexualmente por um parente próximo, dos 10 aos 18 anos, quando enfim o denunciou. “Ele sabia toda a minha história. Ele queria me enlouquecer. Foi alguém muito próximo quem montou meu dossiê para ele”, conta a jovem, que acredita ter sido vendida por quem a abusou na infância.”

Fuga e acolhimento
A tortura de Jucilene prosseguiu até o dia em que conseguiu fugir, o modo não se sabe bem ao certo, já que Jucilene deu versões distintas, em diferentes momentos, devido sua saúde psicológica que ficara abalada pelo drama vivido. À reportagem contou que conseguiu abrir a mala de seu aliciador, enquanto ele dormia, e ali encontrou as chaves do apartamento. “Quando abriu  - o cadeado da mala continha um segredo -, eu pensei esse é o momento. Ele estava roncando, então peguei duas chaves, uns documentos em italiano, minhas fotos nuas, tiradas por ele. Peguei o cartão (continha o nome do clube onde era explorada), e a mala. Abri a porta e fui descendo. E saí”, disse.
“Vi a Rua Pellegrino (Via del Pellegrino). Meu olho turvava, passou o trem, tinha uma pontezinha, um rio e ali, pensei em me jogar, acabar com aquele sofrimento de uma vez, mas resolvi procurar ajuda”, conta Juci.

Depoimento do sacerdote que a acolheu
Remontando seu trajeto, observa-se que Jucilene escapou do cativeiro na Via del Pellegrino, uma região movimentada de Roma, de lá teria caminhado por cerca de dez minutos até o Largo di Torre Argentina. É, possivelmente, nesta região que ela viu o trem antes de atravessar a ponte. Padre Oscar acredita que para ter chegado até ele, no bairro de Trastevere, ela deve ter pego informações na embaixada brasileira, que fica na Piazza Navona, e depois na Igreja Santo Antonio dos Portugueses, onde se reúne a comunidade portuguesa. Esse trajeto para uma pessoa em condições físicas normais levaria cerca de 20 minutos, mas Juci estava muito debilitada.
Da igreja Santo Antonio, na Via del Portoghesi até  a Igreja Santa Maria della Luce, no bairro de Trastevere, seriam mais 20 minutos. “Quando ela apareceu na igreja tinha um chinelinho, mas não uma havaiana, um chinelo de mulher, de casa... um jeans, me lembro bem, sujo. Ela tinha uma camiseta, uma blusa com listras, me lembro mais ou menos”, conta o padre Scalabriniano Oscar, que trabalhou na igreja de Trastevere de 2000 a 2007. A reportagem encontrou padre Oscar na Suíça.

Conta padre Oscar que a socorreu: “Era março. Ela estava sentada no fundo da igreja. No princípio pensei que ela estava passando mal. Comeu pouco conosco, não comeu muito, e estava muito cansada”, disse o padre, que contou com a ajuda de uma voluntária naquela noite para acolher e cuidar de Jucilene. “A igreja não tinha estrutura, não tinha como dar assistência à mulher. Eu sempre digo que Deus tem sempre resposta para todos”, afirma o padre.
Dali para frente, através de uma rede de contatos, Jucilene chegou à casa de uma família italiana. “Nós fazíamos todo um trabalho de encaminhar pessoas, de falar com elas, arriscávamos enviando pessoas sem saber quem eram. Arrisquei muito meu nome, a igreja, a congregação, porque encaminhava essas pessoas sem pensar que elas podiam nos colocar em problemas, como tive problemas”, conta o padre.
“Acho que ela foi encaminhada a uma dessas famílias, só que eu não tenho mais informações. Ela estava caída quando chegou e depois eu a vi bem, muito bem mesmo. Bem apresentável, bem limpa. Um olhar de vida, isso me lembro bem”, revela o padre.

Acolhimento de uma família
Jucilene se lembra com carinho da família italiana que a acolheu, eram Franco e Rosella Belmonte, com quem viveu nos bairros de Frascati e Bracciano.
“Eles me deram um quarto, roupas, livros, cuidaram de mim e de minha saúde”, conta Jucilene, que foi internada três vezes.
Denúncia do aliciador
“Os pais adotivos” a levaram até o Convento della Consolata, em Nepi, onde Jucilene conheceu a irmã Adriana, cujo sobrenome não recorda. A religiosa a convenceu a denunciar seu aliciador e a acompanhou no depoimento e na realização do exame de corpo delito.
Jucilene denunciou e um processo foi instaurado em 2005. Documento da Procuradoria da República do Tribunal de Tivori aponta que o aliciador induziu Jucilene à prostituição, que ela foi forçada a ter relações sexuais com homens e mulheres.
O aliciador chegou a ser preso, mas o processo ficou sem conclusão porque aguardava o depoimento de Jucilene. Segundo a jovem foi informada, seria convocada a prestar depoimento por videoconferência em 2013, o que não correu.

Retorno ao Brasil
À época, o vice-cônsul brasileiro na Itália, Rodrigo Roberto Outeiro de Azevedo Lima, ofereceu ajuda para que Jucilene voltasse ao Brasil, ela aceitou e retornou em 2006. Neste momento, conta com advogados do Estado para que a justiça seja feita. Sem proteção, prefere não dizer onde reside, já que teme retaliações do parente que a violentou durante sua infância e adolescência.

Fonte: Revista Família Cristã, janeiro 2014.

Ouça Programa nos Passos de Paulo - Rádio 9 de julho - AM 1600
E-mail: nospassosdepaulo@paulinas.com.br
Facebook – Nos passos de Paulo
Blog: nospassosdepaulo.com.br   
Tel.: 2125-3500 (das 20-21h, de segunda a sexta). vidas vendidas (CF 2014)

(trecho da reportagem da Revista Família Cristã)

Nenhum comentário:

Boas vindas!

Você é o visitante!