''Francisco quer comunicar a proximidade de Deus a todas as pessoas''.
Entrevista com Antonio Spadaro
Tendo-se completado o termo simbólico dos "100 dias", multiplicaram-se as
avaliações e as análises dos primeiros meses do pontificado do Papa
Francisco. O Vatican Insider falou sobre isso com o
padre Antonio Spadaro,
jesuíta como o pontífice, diretor da revista quinzenal Civiltà
Cattolica que, desde a sua criação no século XIX, é publicada com o
imprimatur da Secretaria de Estado vaticana.
Spadaro encontrou Francisco, juntamente
com os outros escritores da revista, na sexta-feira, 14 de junho, e, nessa
ocasião, o pontífice argentino convidou a "ser duros contra as hipocrisias
fruto de um coração fechado, doente. Duros contra essa doença". "Mas
a sua tarefa principal não é construir muros, mas pontes – acrescentou –; é o
de estabelecer um diálogo com todos os homens, também com aqueles que não
compartilham a fé cristã, mas 'tem o culto de altos valores humanos', e até
'com aqueles que se opõem à Igreja e a perseguem de várias maneiras'". A reportagem é de Alessandro
Speciale.
Padre Antonio, o que mais lhe chamou a
atenção do Papa Francisco nesses primeiros meses de pontificado?
Ele tem uma grande carga humana, a capacidade
de passar, através de gestos muito significativos, conteúdos muito fortes.
Francisco consegue expressar com os seus gestos conteúdos teologicamente muito
densos, graças à sua experiência de pastor, mas também de governo, primeiro
como provincial da sua ordem e depois como bispo de uma diocese, e a sua experiência
de proximidade com as pessoas às margens, de diálogo com as pessoas também em
situações difíceis.
E o fato de ele ser jesuíta teve
alguma influência?
Fiquei impressionado com a sua espiritualidade
inaciana. Quem como eu foi formado nessa espiritualidade pode perceber isso com
clareza. Acredito que a sua formação jesuítica formou não apenas a sua visão da
realidade, mas também o seu modo de falar e de articular os temas, o seu modo
de estruturar o discurso em três palavras – um ritmo que desde sempre marca a
retórica inaciana.
Como você descreveria o estilo de
governo posto em prática até hoje pelo Papa Francisco? Até hoje, em sentido
estrito, ele não "fez" muito a partir desse ponto de vista.
O papa agora quer entrar em contato com o povo
de Deus. Ele está em uma fase em que escuta e se encontra com muitas pessoas,
uma fase que o ajuda a refletir. Julgar a sua capacidade de ação limitando-se a
essa fase não seria correto. Os seus gestos já são decisões, falam de modo
muito significativo. A sua abordagem ao governo é uma abordagem gradual que
inclui o fato de escutar a todos, recebendo as informações úteis para tomar as
decisões necessárias. Isso, porém, não significa que ele não saberá decidir
quando for o momento: a sua história como superior dos jesuítas na Argentina
nos diz claramente que ele é um homem de decisões, sim, mas não apressado.
Tendo sido superior da Companhia de Jesus, ele aprendeu a assumir as suas
responsabilidades e a decidir diretamente, e não através de um órgão colegial
como um capítulo, mas sempre depois de ter escutado um grupo de consultores.
Estamos em uma fase de consulta, não de decisões repentinas.
Antes da renúncia de Bento XVI,
falava-se de uma Igreja em
crise. Agora , esses temores desapareceram...
Cada pontificado tem as suas características e
é preciso evitar pensar em termos de "antes" e "depois". Bento
e Francisco captaram os sinais de um cansaço. O atual
pontífice está fazendo perceber a dimensão da proximidade, da intimidade com as
pessoas. O conteúdo fundamental do seu pontificado, até hoje, é o da
misericórdia de Deus "a todo custo", por assim dizer, mesmo em
lugares distantes, mesmo para quem se desespera com essa misericórdia. Francisco
quer comunicar a proximidade de Deus a cada pessoa. Essa mensagem até agora parece
ter sido recebida muito bem.
O quão diferentes são esses dois
papas? Pode-se falar de uma "reviravolta"?
Francisco está respondendo exatamente àqueles desafios que Bento
XVI havia posto quando anunciou a sua renúncia. Bento,
anunciando a sua renúncia, havia dito que o papa, hoje, precisa de um maior
"vigor tanto do corpo, quanto da alma", em um mundo "sujeito a
rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da
fé". Esta necessidade comprovada e declarada por Bento XVI
foi captada por Francisco. Não se trata tanto de uma mudança,
mas sim de uma passagem de bastão. Os desafios continuam os mesmos, mas mudam
as ênfases de acordo com a experiência pessoal de cada pontífice. Com
Francisco, a ênfase está nas periferias, e esse me parece ser o ponto central
da sua mensagem: evitar a autorreferencialidade – a Igreja é chamada a ser
missionária, a estar nas ruas, mesmo às custas de se equivocar.
Fonte: Vatican Insider, 23-06-2013
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