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quinta-feira, 26 de julho de 2012

50 anos da abertura do Concílio

                         A viabilização do Concílio e continuidade do processo conciliar

 Preâmbulo: Identificação com o evento conciliar                  
              Estamos recordando os 50 anos da abertura do Concílio Vaticano Segundo. Faz parte da memória a ser recuperada, não só o evento conciliar, mas a caminhada de cada Igreja particular, para perceber como andava, e como se inseriu no processo conciliar.
            Para Campinas, não é mera coincidência o jubileu do Concílio com o jubileu do “Cursilho” no Brasil!  Foi em Valinhos, em 1962, que se realizou o primeiro “cursilho” no Brasil.
           Este fato tem tudo a ver com a identidade da Igreja Particular de Campinas, no contexto da Igreja no Brasil no tempo do Concílio. Era uma Igreja atuante, com sua fisionomia própria, com sua caminhada de pouco mais 50 anos de existência!
           Há outros sinais da vitalidade da Igreja de Campinas que poderiam ser recordados
           Foi de Campinas, por exemplo, que se difundiu o TLC.
          Em todo o caso, é bom perceber nossa identidade eclesial, vinculá-la com o amplo processo eclesial desencadeando pelo concílio, para se sentir motivada a cultivar sua identidade própria, contribuindo desta maneira com a Igreja no Brasil e no mundo!
             Só para isto já valeria a pena recordar a abertura do Concílio Vaticano II, que veio sacudir, de maneira tão vigorosa a Igreja em nosso tempo!
            A Diocese de Jales, de sua parte, faz questão de recordar que foi criada no ano do anúncio do Concílio, em 1959, por João 23, no dia 12 de dezembro, festa de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina!.....

Introdução               
                 Como foi viabilizado o Concílio, como retomar sua dinâmica.
               O Concílio Vaticano Segundo se constituiu em amplo evento eclesial, que pode ser abordado de diversos ângulos. Uma breve descrição de todo o seu processo histórico se encontra no livro editado pelas Paulinas: Revisitar o Concílio Vaticano II. Os detalhes concretos podem ser encontrados lá, de maneira simples e sucinta.
               Nosso interesse pelo Concílio vai além da curiosidade histórica. Pois o Concílio não foi um evento alheio à nossa realidade eclesial. Ele nos envolveu, e estamos interessados em conhecer melhor sua dinâmica, para nos apropriar-nos dela, de tal modo que continue nos impulsionando, fortalecendo nossa identidade eclesial.
             O Concílio, de fato, já ao ser anunciado, desencadeou um intenso processo participativo, que entusiasmou toda a Igreja. Muitas pessoas sentiam que tinha chegado o tempo propício para empreender uma profunda renovação eclesial.
             A memória do Concilio, passados já 50 anos, precisa incentivar de novo este sadio protagonismo. E´ bom advertir que esta memória não pode levar a uma espécie de paralisia, fruto de um saudosismo inibidor, como se o dinamismo eclesial tivesse se esgotado com o término do Concílio.
             Bem ao contrário, o jubileu de 50 anos nos anima a retomar a dinâmica conciliar. Vamos, portanto, recordar fatos, com a intenção de descobrir o que os tornou possíveis, para habilitar-nos a produzir outros, em continuidade daqueles!
              Vamos então ver como foi viabilizado o Concílio, e como podemos retomar sua dinâmica.

1) Como surgiu o Concílio

         À primeira vista, o relato dos acontecimentos que descrevem o surgimento do Concílio (contados com mais detalhes no livro citado), pareceriam indicar que o Concílio foi totalmente inesperado, sem vínculo histórico com as circunstâncias que o precederam.
        Na verdade, houve sim uma dose muito grande de surpresas. Mas analisadas com mais atenção, se desdobre que o surgimento do Concílio se deu, sim, por uma inspiração divina, como não cansava de afirmar João23. Mas uma inspiração prontamente acatada e assumida, com os riscos históricos que ela supunha, e sabiamente valorizada e colocada em sintonia com o dinamismo eclesial já existente na época. 
        O surgimento do Concílio foi fruto da simbiose entre inspiração de Deus e iniciativa humana. João 23 não foi só um dócil acolhedor da idéia do Concílio. Ele foi também um exímio estrategista.  Ele soube revestir de motivação espiritual os seus generosos planos de iniciativas pessoais.
        Os passos que conduziram João 23 a anunciar o Concílio, no dia 25 de janeiro de 1959, se constituíram numa série de surpresas, onde se podia facilmente reconhecer a mão da Providência. E onde ao mesmo tempo apareciam as marcas da ação humana.
       A primeira surpresa foi a própria eleição papal do Cardeal Ângelo Roncali, com 77 anos, desconhecido de quase todo o mundo, com aparência de simples vigário de campanha, surpresa reforçada até pelo nome por ele assumido, de João 23!
       Logo foi entendido como “papa de transição”.  A surpresa maior foi descobrir que, na verdade, ele seria o papa DA grande transição por que passaria a Igreja!
       Mas à surpresa de sua eleição, o novo (velho) papa foi acrescentando outras surpresas, fruto de sua vivência pessoal, e que muito contribuíram para preparar o clima favorável para o lançamento do concílio Ele se mostrou logo como o “papa da bondade”. Uma bondade revestida de mística cristã, mas feita também de gestos muito humanos, que foram logo cativando a simpatia de todos. No Natal ele saiu do Vaticano para visitar crianças doentes no hospital No dia seguinte foi visitar os presos na cadeia de Roma.
      Com estes gestos que recuperavam a autenticidade evangélica, João 23 pavimentou o caminho para o anúncio do Concílio, que foi prontamente aceito com entusiasmo, sobretudo pelo povo romano, que tinha logo aprendido a amar o seu papa simples e bondoso.
     No anúncio do Concílio houve um evidente fenômeno de transferência afetiva. A grande simpatia pela pessoa do papa foi transferida para a idéia do concílio ecumênico.  O concílio foi aceito com o mesmo entusiasmo que o povo começava a ter com o papa. O concílio passou a ser olhado com esperança, porque era proposto pelo Papa João 23. Aí e deu de novo o acoplamento entre graça de Deus e ação humana.  Pois a pronta acolhida da idéia do concilio por parte do povo, e do mundo inteiro, serviu para o papa de confirmação do caráter divino da inspiração que ele tinha tido.
     Como nos inícios da Igreja, o povo animado do Espírito Santo servia de critério para guiar os passos da missão.
      A generosa adesão do povo foi muito bem capitalizada por João 23. Assim o processo conciliar teve desde o início um grande respaldo popular, que servia de aval para as providências a serem tomadas.
      O Concílio nasceu sob a inspiração de Deus, prontamente acatada pela adesão do povo, dando segurança para desencadear o processo conciliar.
       Este fato nos dá um precioso ensinamento, e um bom desafio. Como fazer para também nós, nos tempos que vivemos, perceber o rumo a seguir, sinalizado pelos “sinais dos tempos”, que nos revelam o “sensus fidelium”, como soube fazer João 23? 
      As mudanças na Igreja não acontecem só por iniciativas que vem de cima. Elas acontecem quando se capta a percepção do povo, a ser integrada nas decisões a tomar.   

2) Os momentos decisivos do Concílio
     
A memória do Concílio, a ser recuperada, não é retilínea. Houve momentos que direcionaram o processo conciliar. Eles nos ajudam a perceber como é importante discernir o momento certo, a opção conveniente, a hora da graça.
     Podemos identificar diversos desses momentos, que acabaram definindo o rumo do Concílio, com clareza e segurança.

2.1. O anúncio do Concílio.
   O anúncio do Concílio, no dia 25 de janeiro de 1959, se constituiu no fato primordial de todo o Vaticano Segundo. As circunstâncias em que se deu este anúncio, desencadearam todo o processo conciliar.
    Tinha se criado uma grande expectativa em torno do novo papa. Era a conclusão da semana de orações pela unidade dos cristãos. A estratégia de João 23, de mandar convocar os jornalistas para difundir a notícia, repercutiu muito positivamente entre os meios de comunicação e no ambiente externo à Igreja, superando de imediato antigas resistências e preconceitos mútuos.
     Desta maneira ficaram também contornadas as resistências internas, sobretudo dos cardeais e da Cúria Romana.
     O anúncio do concílio encontrou logo uma recepção entusiasta.
     Olhada esta estratégia agora, depois de 50 anos, e constatando resistências que perduram ainda hoje, fica a pergunta a respeito dos limites de nossas estratégias humanas para conseguir melhor os fins desejados. Ao longo de todo o Concílio, será que não faltou um diálogo maduro e franco, para superar as resistências, mesmo sabendo que pudessem ser fruto de preconceitos ultrapassados? 
     
2.2. Ampla consulta às bases
       Criada a “comissão ante preparatória”, incumbida de elencar os assuntos a serem abordados pelo Concílio, foi muito feliz a idéia dar a palavra às bases, através de ampla consulta, endereçada aos bispos do mundo inteiro, às congregações religiosas, aos reitores de universidades católicas, e aos membros da Cúria Romana.
       Com a resposta de 77% dos entrevistados, foi possível não só recolher preciosas sugestões para a temática do Concílio, mas perceber também como é válido dar atenção às bases, e valorizar o que o povo tem a dizer.
      
2.3. Expectativa mundial em torno de um evento eclesial
        Desde o início, já no dia do seu anúncio, o Concílio entrou na pauta das agências de notícias. Foi muito significativo o interesse do mundo em acompanhar um evento da Igreja.
         E´ sintoma positivo quando a Igreja se torna sinal de esperança para o mundo.

2.4. O discurso de abertura do Concílio         Repercutiu muito o discurso de João 23 no dia da abertura do Concílio Não deixou dúvidas que o Concílio era mesmo para valer. A Igreja precisava atualizar a maneira de apresentar ao mundo as verdades perenes, que precisam ser bem captadas em cada época.
          Repercutiu sobretudo a disposição da Igreja diante dos erros, preferindo “usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade.”.
           E a recomendação da Igreja de se mostrar “mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade também com os filhos dela separados”.
           Este devia ser um concílio sem nenhum anátema!
          Diante desta generosa proposta de João 23, vale perguntar se é ainda esta a postura da Igreja, ou, parafraseando o salmo, “a mão da Igreja mudou, não é mais a mesma”!
       Uma providência muito importante foi tomada pelos bispos na sua primeira sessão de trabalho. Precisavam escolher 15 nomes para cada uma das dez comissões conciliares Como podiam tirar da cabeça tantos nomes, assim de improviso? Graças à intervenção do Cardeal Liénard, secundado por outros, a escolha foi adiada, com três dias para os episcopados se consultarem entre si, em vista de identificar os nomes mais convenientes a serem indicados.
    Assim ficou garantida a representatividade do episcopado mundial
    Com isto, os bispos se apropriaram do espaço conciliar, que lhes pertencia de fato.
    Como ocupar os espaços que são nossos?  Como colocá-los a serviço da Igreja e da sociedade? Esta é outra questão muito pertinente, que o concílio nos aponta.

2. 6. Prioridade dada à liturgia
     O primeiro assunto debatido no Concílio, no começo da primeira sessão anual, foi a liturgia. Foi uma feliz escolha.  Pois o assunto era o mais próximo a todo bispo, e despertava um interesse imediato.
        Além do mais, era o esquema mais maduro, que recolhia os esforços do Movimento Litúrgico, um dos principais movimentos que precederam o Vaticano II.
         Os debates em torno da liturgia serviram também para os bispos afinarem um pouco melhor o seu latim, seja para as intervenções na aula conciliar, como sobretudo para entenderem o que se falava. A liturgia aplainou o caminho dos debates conciliares. Serviu para amaciar o motor para a longa viagem que estava à frente.

2.7. A primeira rejeição de um esquema
       Terminado o debate preliminar sobre a liturgia, e aprovado o seu esquema como “base para o documento conciliar”, foi introduzido outro tema, cujo desfecho seria surpreendente, e iria provocar um alinhamento do plenário, que atravessou depois todo o Concílio.
      Acontece que o esquema sobre a Revelação, “De fontibus revelationis”, era vazado em temos fortemente polêmicos, próprios ainda da “contra reforma”. Em contraste, portanto, com a proposta de João 23, de buscar a aproximação com os “irmãos separados”.
         Levado à votação, expressiva maioria se mostrou contrária ao documento, pedindo sua substituição. Mas faltaram alguns poucos votos para atingir os dois terços necessários para rejeitar o esquema, de acordo com o regulamento. Parecia criado um impasse difícil de contornar.
      Foi então que João 23 interveio pela primeira vez nos trabalhos conciliares, mandando substituir o esquema por outro mais de acordo com as expectativas ecumênicas. 
      O fato teve grande repercussão, e conseqüências práticas muito determinantes, pois de certa maneira conformou uma expressiva maioria conciliar, feita dos que tinham votado contra o documento, e acrescida de muitos outros bispos que no gesto do Papa perceberam que ele não se prendia aos esquemas preparatórios, muitos deles vazados ainda em linguagem da contra-reforma. A partir daí, as votações encontraram um claro critério de posicionamento, que atravessou todo o concílio.
    Alguns historiadores chegam a identificar naquele gesto do Papa o fim da “contra-reforma”.  Ela teria se encerrado no dia 20 de novembro de 1962, data da decisão de João 23 de mandar retirar o polêmico esquema sobre “as fontes da revelação”.
      Aqui se introduz outra ponderação, que não é fora de propósito. Trata-se da oportunidade que um evento extraordinário oferece, para superar preconceitos cristalizados há séculos, romper resistências, e abrir espaços para um clima de diálogo.
       Foi o que proporcionou este Concílio, possibilitando uma nova relação, de diálogo e de respeito, entre católicos e “irmãos separados”.  E em boa parte, somente à luz do forte impacto do concílio se compreende a aceitação das grandes mudanças efetivadas na liturgia. E se compreende como alguns ainda não as tenham aceitado.
        A superação de posicionamentos radicais é mais difícil quando envolve convicções religiosas.  Dado o grande leque de relacionamentos históricos entre a Igreja Católica e outras instâncias da sociedade, o impacto do concílio poderia levar a mudanças de atitudes, criadas em outros contextos históricos e culturais, e que hoje são francamente anacrônicas, mas ainda permanecem.  À luz do Concílio, não seria o caso de tentar a superação de preconceitos que ainda marcam o relacionamento da Igreja com algumas instituições da sociedade? Não seria o caso de decretar o fim de outras “contra-reformas” que possam existir por aí?
        Em todo o caso, fica o desafio: como canalizar as energias positivas dos acontecimentos que causam impactos, e podem provocar mudanças de diversas ordens. E no que se refere ao ecumenismo, será que não desperdiçamos uma preciosa oportunidade de maior aproximação e de compromissos progressivos em direção à reconciliação final?
        
2.8. A redução dos esquemas preparatórios   No intervalo entre a primeira e a segunda sessão, foi tomada uma importante decisão. Foi reduzido drasticamente o número dos esquemas preparatórios. Eram pouco mais de setenta. Foram reduzidos a pouco mais de dez.
    Isto foi possível porque no final da primeira sessão, ao iniciar a análise do esquema sobre a Igreja, os bispos se deram conta, muito claramente, que tinham chegado ao tema central, que poderia aglutinar todos os outros. Tinha emergido o núcleo central do Concílio. Este seria um concílio claramente “eclesiológico”, enquanto os primeiros concílios da Igreja tenham sido claramente “cristológicos”.
    Estava definida a tarefa do Concílio: apresentar a verdadeira identidade da Igreja, na sua natureza e na sua missão, no contexto do mundo de hoje. Uma Igreja comprometida com a renovação, inspirada no Evangelho de Cristo e no exemplo da Igreja Primitiva, comprometida com a causa da unidade dos cristãos, e inserida na sociedade, com quem se mostra solidária na busca da justiça, da fraternidade e da paz.
       A partir daí, o Concílio estava bem centrado, tinha um tema que nucleava todos os outros assuntos. 
        Em nossa pastoral também é importante encontrar um núcleo central, que possa dar organicidade à diversidade de aspectos e de atividades.

3) Contexto histórico do Vaticano II
         Não se entende o Concílio Vaticano II sem ter presente o ambiente histórico em que ele se realizou.
        As décadas de 50 e de 60, foram as mais otimistas dos últimos séculos. A Europa estava em pela reconstrução no pós guerra. A humanidade iniciava sua carreira espacial, com a meta de chegar na lua antes do final da década de sessenta.
        Na política estava acontecendo a distensão entre leste e oeste, com Kennedy nos Estados Unidos, Kruchev na União Soviética, e João 23 no Vaticano.
       As nações da África iam proclamando sua independência, e o mito do desenvolvimento sem limites contagiava a todos.
        No Brasil se construía a nova capital, com a promessa de cinco anos valerem por 50. 
       Em termos eclesiais, era tempo da rápida implantação de estruturas da Igreja, com a criação de 70 novas dioceses durante o período do Núncio Dom Armando Lombardi.
   Foi neste clima de otimismo e de esperança que se realizou o Vaticano II.
        Pode-se fazer a importante constatação: A Igreja percebeu a hora da graça, soube aproveitar as condições favoráveis que a história lhe proporcionava.  A vivência diplomática, que João 23 tinha tido, culminando sua carreira como Núncio na França, ajudou o Papa a perceber que era viável mobilizar a Igreja com um evento de tamanha envergadura, como seria o Concílio Vaticano II.
         Esses tempos de otimismo duraram pouco. Já no final da década de sessenta, eclodiu em 1968 a revolta dos estudantes na França, sintoma da grande transformação cultural que a secularização iria espalhar rapidamente pela Europa e pelos países do primeiro mundo.
         A propósito da secularização, com os profundos impactos que ela trouxe, alguns fazem uma leitura equivocada da história. Porque a secularização ocorreu depois do Concílio, se conclui, erroneamente, que ela foi causada pelo Concílio. 
       Não deixa de ser verdade que a recepção do Concílio coincidiu em muitos lugares com a chegada da secularização, confundindo as cabeças de muitas pessoas. . 
       Não deixa de ser válido colocar-se a hipótese de como teria sido diferente o Concílio, se fosse realizado depois da crise dos anos setenta. Com certeza alguns documentos seriam diferentes, como certamente a Gaudium et Spes, por exemplo.
       João 23 convocou o Concílio em tempos favoráveis para a sua realização. E nós, sabermos aproveitar os ventos favoráveis da história, para conduzir melhor a barca da Igreja?.
      Fica outro bom desafio: como sincronizar os passos da história, para neles inserir nossa presença, e contribuir com a luz do Evangelho, como fez o Concílio.

4) Movimentos eclesiais que precederam o Concílio
     Outro ponto indispensável para compreendermos como foi viabilizado o Concílio, é perceber a importância que tiveram os diversos movimentos eclesiais que o precederam. Todos eles consistentes, e denotando a impressionante vitalidade que há mais tempo vinha acontecendo na Igreja.
        Basta aqui citar esses movimentos, para perceber como o anúncio do Concílio encontrou a Igreja em pleno dinamismo, em diversos aspectos de sua atuação. O movimento litúrgico, bíblico, ecumênico, teológico, despertavam o interesse pelas questões próprias de cada um, levando muitas pessoas a aderirem a estes movimentos com conhecimento de causa e boa formação.
     Basta conferir a consistência do movimento litúrgico, com diversos mosteiros servindo de referência para o estudo e aprofundamento das questões litúrgicas. Eles ofereceram as bases para a Igreja propor uma reforma litúrgica em profundidade, e que precisa de tempo adequado para se consolidar!
         Por sua vez, a Ação Católica, proporcionava a participação de muitos cristãos nas realidades políticas e sociais.   E o “movimento por um mundo melhor” motivava seus membros a assumirem a fé cristã com mais ardor e convicção.
         Pois bem, a constatação da força destes movimentos anteriores ao Concílio nos ajuda a perceber que o Concílio não prescindiu da caminhada anterior da Igreja, nem provocou rupturas com ela.
      Ao contrário, soube valorizar estes movimentos, tornando-se estuário de todos eles, recolhendo a preciosa contribuição que tinham dado para a Igreja. Eles proporcionaram ao Concílio a plêiade de peritos, competentes em seus respectivos ramos.
      Assim fazendo, o concílio nos deixa uma lição, a ser aprendida com discernimento. .
     Como o Concílio, nós também somos chamados a valorizar as riquezas que brotam da vida do Povo de Deus. Mesmo que às vezes seja necessário superar preconceitos.  Diversos dos grandes teólogos que prestaram sua competente contribuição, tinham sido colocados sob suspeita, e até proibidos de lecionar.
      Com a abertura causada pelo clima do Concílio, foram reintegrados na vida eclesial, e convocados para colaborar nos trabalhos conciliares como peritos.
        Muitas vezes a renovação da Igreja passa pelo endereço de pessoas que são olhadas com reserva.
       . Em todo o caso, precisamos superar a mentalidade que só admite avanços da Igreja se vierem de cima, provocando assim certa paralisia e imobilismo eclesial.
          Somos chamados a retomar nosso protagonismo eclesial, agindo com espírito evangélico, com alegria, competência e liberdade.
É a partir da ação de cada um que a Igreja se renova e cresce.

Conclusão           O Concílio foi escola de vivência eclesial
          Ao longo da descrição do processo conciliar, deu para perceber como os diversos momentos decisivos do Concílio, se constituem em exemplos de atuação eclesial. 
            Independente de quando vamos ter um outro concílio, o que importa é resgatar o processo conciliar, vivendo a conciliariedade da Igreja, com sua prática de estar atenta aos sinais dos tempos, com a certeza de contar com a atuação do Espírito quando ela se reúne para discernir os passos que precisa dar.
           Assim o Concílio fica integrado na vida da Igreja, e nós podemos continuar o seu dinamismo. 

Apêndice:
Dois enfoques eclesiais de importância fundamental
1- A visão de Igreja como Povo de Deus
   A importância teológica e pastoral da opção do Concilio 
 A idéia foi prontamente assumida, e o gesto foi interpretado como expressão concreta, assumida pelo Concílio, para fundamentar uma visão de Igreja que superasse todas as discriminações, e viabilizasse a integração de outros valores evangélicos, que a vivencia cristã iria apresentando.
        Esta opção de privilegiar a visão de Igreja como Povo de Deus teve tanta repercussão do Concílio, que ela se assemelhou à famosa “revolução copernicana”, quando a humanidade se deu conta, ajudada por Copérnico, que não era o sol que girava ao redor da terra, mas a terra que girava ao redor do sol.
       Assim a centralidade da Igreja não estava na hierarquia, mas no Povo de Deus, que inclui todos os membros da Igreja, de maneira igualitária e fundamental, e a serviço do qual está a hierarquia. 
      Com a introdução do capítulo sobre o Povo de Deus, o Concílio fazia a clara opção de uma visão bíblica e ao mesmo tempo histórica da Igreja, possibilitando situar a Igreja no contexto da caminhada da humanidade, no leque amplo de relacionamentos diversos e concretos que podem ser suscitados.
      A visão de Igreja Povo de Deus possui no Vaticano Segundo uma centralidade, cujo alcance pode escapar a uma análise superficial da eclesiologia do Vaticano Segundo.
       E´ a partir da visão da Igreja como Povo de Deus que se situam, de maneira integrada, as outras dimensões da Igreja, que são colocadas ao longo dos atuais oito capítulos da Lúmen Gentium. O Capítulo Segundo tem uma centralidade dinâmica. Possibilita situar a Igreja no seu relacionamento histórico com a diversidade de “povos, línguas e nações”, afinal, na sua encarnação concreta e na sua vizinhança com a realidade histórica da humanidade.
      Por isto, parece equivocada a interpretação divulgada a partir do Sínodo especial comemorativo dos 20 anos do Concílio, em 1985, que teria relativizado a visão de Igreja Povo de Deus, para ressaltar a dimensão de Igreja como mistério de comunhão.
      A afirmação do Concílio, para ser bem entendida, precisa ser situada no contexto histórico em que foi formulada. Ela serviu para fundamentar uma nova visão de Igreja, que vinha ao encontro das grandes expectativas de renovação eclesial, que o Concílio tinha desencadeado.
       Por isto, a importância da visão de Igreja como “Povo de Deus”, vai além do conteúdo desta afirmação, pois era vista e tida como símbolo da nova visão de Igreja que estava surgindo do Concílio. 
    
  2. Colegialidade Episcopal: uma Igreja corresponsável e participativa              Ao lado da importância da visão de Igreja como Povo de Deus, o Vaticano II enfrentou a questão da Colegialidade Episcopal, de grande peso teológico, que estava pendente desde o Vaticano Primeiro.
             Colocado o capítulo sobre a hierarquia depois do capitulo sobre o Povo de Deus, ficou mais fácil de compreender a hierarquia como um serviço ao Povo de Deus, e partir daí entender sua importância, e sua missão específica.
              Neste Capitulo, de maneira mais destacada, o Concílio analisa e define a natureza e a missão do Episcopado, entendido como um sacramento com dimensão eclesial muito clara e fundamental. 
          Atenta ao formato que Cristo deu ao seu grupo de Apóstolos, o primeiro e fundamental “Colégio Episcopal”, a Igreja faz questão de ressaltar sua continuidade, na mesma comunhão e na mesma missão. A missão confiada aos Doze, comporta a comunhão e a igualdade entre eles, e ao mesmo tempo a missão própria confiada a um deles, Pedro, a serviço da unidade e da fidelidade de todos os outros.
            E´ o que a Igreja professa em forma de “primado e colegialidade”, que o Vaticano Segundo expressou e definiu claramente.
             Para a vida da Igreja são indispensáveis tanto a dimensão de colegialidade, como a dimensão de primado. Ambas estão a serviço da comunhão eclesial e da fidelidade a Cristo.
           Quando se rompe este equilíbrio entre Primado e Colegialidade, a Igreja fica exposta a rupturas, fáceis de irromper e muito difíceis de superar depois de implantadas.
            Durante o Concílio, um bispo ortodoxo católico apresentou sua leitura histórica das grandes divisões acontecidas na Igreja, como decorrentes do exercício inadequado da colegialidade episcopal e do primado. Segundo ele, a ruptura com os ortodoxos, em 1054, se deu por não terem valorizado o primado. Foi enfatizada demais a colegialidade.
        Depois, o Ocidente, deixado só como o exercício do primado, levou à ruptura protestante, pela carência de uma colegialidade vivida a serviço da salutar descentralização da Igreja, que poderia ter acontecido sem a ruptura protestante.
         Não é o caso de discorrer aqui sobre as múltiplas decorrências que poderiam advir de uma prática mais adequada da Colegialidade Episcopal.  Ela simboliza a corresponsabilidade eclesial, com o incentivo para a participação de todos na vida e na missão da Igreja. 
            Mas no mínimo é conveniente ressaltar que da reta visão da colegialidade, e da visão da Igreja como Povo de Deus, derivam as grandes intuições pastorais do Concilio Vaticano Segundo.
            Em especial, a importância das Igrejas Locais, como concretizações da Igreja nas realidades onde ela se insere, na diversidade de raças e culturas.
            Igualmente a importância das comunidades eclesiais, onde o Evangelho pode ser vivido na prática da convivência cotidiana e da inserção no mundo.

   Dom Demétrio Valentini
(Palestra feita ao Clero de Campinas, aos 22/05/12)

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